28.12.06

Limite

[Andrea del Sarto - Retrato de jovem]

a C.

Queríamos morrer novos. Dizíamos que queríamos morrer novos. Se calhar queríamos. Ou não. O medo da velhice. Trinta anos era o limite. Talvez não fosse o teu. Era o meu, pelo menos. Não me queria ver velho. E trinta anos era ser velho. Era não ser novo, pelo menos. Homens de trinta anos. Os traços do rosto marcados. Eu não queria ser assim. Teria cara de menino até morrer. Mesmo que isso significasse morrer cedo. Os vincos da pele em redor dos olhos. Não. Eu não passaria dos trinta. Lembras-te. Tolo. Foi há tantos anos. Agora estou a meio caminho entre os trinta e os quarenta. Já mais perto dos quarenta. Ainda me ponho a olhar para a cara dos homens a ver como não quero ser. Quando tiver quarenta. Ou cinquenta. Ou mais.

25.12.06

As noites

[Barocci - Natividade]

Havia aquelas noites de Natal a beber copos e a fumar cigarros naquele bar enevoado pelo fumo de tantos como nós para quem o Natal significava tão pouco e que para ali se arrastavam mal terminava a ceia ou então nem houvera ceia por falta de companhia ou de vontade e tinham estado à porta do bar à espera de que abrisse.

24.12.06

A cama

[Dürer - Adão e Eva]

a C.

Não sei. Tinha medo. Acreditava numa relação com pouca carne. De contemplação. Muito espírito. Era, hoje não tenho dúvidas sobre isso, um miúdo insuportável. Dominado pelos meus medos. Impondo-os aos outros. A ti. O sexo era um dos meus medos. E a cama o seu símbolo tão óbvio. Tão vulgar. Podia ter encontrado um menos evidente. Eu era tão plano. Tão chão. É o mesmo étimo latino, sabias. A mesma palavra latina deu plano e deu chão. E eu preferia que dormíssemos no chão. Tu também preferias. Mas com medo de que te partisse a cama. Não me parece que te dominassem os mesmos medos. De espírito mais pragmático, apenas te preocupava que te partisse a cama. Não é que sejas gordo, dizias. Realmente não era. Mas era grande. Muito grande. E pesado. E a tua cama era tão frágil. Achavas que se me deitasse nela a partiria. Se calhar. Nunca parti nenhuma cama. Mas a tua era tão frágil. Já disse isto. Um dia talvez tivesse bebido mais do que o desejável. Sim, tenho a certeza. Tinha bebido muito. De outra forma não teria acontecido. Uma ida ao Frágil. De certeza. Fim de noite. Talvez exagerasse no gin tónico. Hoje não bebo. Nem fumo. Estou a tornar-me tão plano. Tão chão. Tão chato. Chegámos a casa e pedi a tua cama. Não. Não tinha perdido os meus medos. Estava demasiado bêbedo para pensar. Menos ainda em sexo. E se se parte? Não se parte. Mas e se se partir. Não se parte. Partiu-se. Lembras-te.