16.10.09

you just don't believe


e quando não eras tu e era o cheiro a cerveja refogada a acordar-me a meio da noite e os teus lábios eram duas cobras grossas que se remexiam e de cada uma não de cada um pingava a tua indiferença e as tuas mãos as tuas eram duas tenazes que me pregavam aos lençóis e me esmagavam uma as tripas a outra a garg e quando tu acordares eu já não estou cá


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[este texto faz parte da sequência The carpeted stairs of terror e não pode ser entendido fora dela]

12.10.09

Pentecostes


Subir as escadas do teu sótão e à espera de te ver outra vez à porta a deitar fogo às calças de pijama. E tu sabes que isto não é uma metáfora de mau gosto. Tu lembras-te do isqueiro e das tuas gargalhadas e das chamas azuis. Do meu susto a escalar os degraus e do coração a cair-me no estômago e afinal não era nada. Nunca me explicaste como o fazias. Porque as chamas morriam sozinhas em poucos segundos. E eu já não sei se vou conseguir arrancar os pés da plataforma da estação. E subir a rua e depois desenterrar os dedos dos bolsos e picar a campainha da tua casa. Subir as escadas do teu sótão e agarrar o coração para não se afogar nas tripas.


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[este texto faz parte da sequência Kussen e não pode ser entendido fora dela]

11.10.09

Alsjeblieft

ANTHONISZ, Cornelis
depois vi-o abrir a porta e descer as escadas do teu sótão e cuspir-me na cara um riso sacana porque ele sempre teve um riso sacana. E tu não soubeste nunca o ódio que lhe tive e a mim. Porque a culpa foi. Se te tivesse dito que. Não. Em vez disso rastejei até casa com os teus olhos de chumbo a furar-me a cabeça a martelar-me os sonhos a. Isso. A arrancar-me as tripas. A culpa foi minha. E quem ficou contigo foi. Tem paciência. Ouve-me até ao fim. Alsjeblieft. Porque eu nunca tive força para te dizer nem agora. A saltar do comboio ainda em andamento e a deixar cair os olhos na plataforma sem força sem coragem.

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[este texto faz parte da sequência Kussen e não pode ser entendido fora dela]