Mostrar mensagens com a etiqueta James Joyce. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta James Joyce. Mostrar todas as mensagens

16.6.09

Bloomsday . IV


Happy. Happier then. Snug little room that was with the red wallpaper, Dockrell’s, one and ninepence a dozen. Milly’s tubbing night. American soap I bought: elderflower. Cosy smell of her bathwater. Funny she looked soaped all over. Shapely too. Now photography. Poor papa’s daguerreotype atelier he told me of. Hereditary tast.

Ulysses. Bodley Head, 1966. Página 196.

6.9.08

Misalignments

[William Blake - Songs of Innocense]
and look at this prepronominal funferal, engraved and retouched and edgewiped and puddenpadded, very like a whale's egg farced with pemmican, as were it sentenced to be nuzzled over a full trillion times for ever and a night till his noddle sink or swim by that ideal reader suffering from an ideal insomnia: all those red raddled obeli cayennepeppercast over the text, calling unnecessary attention to errors, omissions, repetitions and misalignments
James Joyce, Finnegans Wake

12.7.08

Kill the pain . XXVI . Isges to isges

[Andrea del Sarto - Madona com o menino e João Baptista]
Countlessness of livestories have netherfallen by this plage, flick as flowflakes, litters from aloft, like a waast wizzard all of whirlworlds. Now are all tombed to the mound, isges to isges, erde from erde
James Joyce, Finnegans Wake


Esperar olhar deixar as mãos pousar respirar devagar. Há quanto tempo. Que importa. Que será. O sangue. Ela sabe. Sorri escarninha e rosna a ficha de outra pessoa. Nome idade. A doença não pede. Mal seria. Em voz alta. Doente. Que lhe dói. Dormente. Se ele se rir. Ao ver. Sabe. A minha vida feita de coisinhas pequeninas. Por isso estou aqui. À espera. De si. Dos seus tijolos. Trinta e cinco. Não se ria. Mas então dizia eu. Revista na mão puxando páginas lambidas. Passar o tempo. Os olhos nas letras e o estômago a crepitar. Sabe. Quando se lê e não se entende. E se volta atrás. Uma duas três vezes quatro ou mais. Ler reler a mesma frase e perder-se a meio e sentir-se que se está a perder e não conseguir parar voltar à superfície. Quia animus alias res agit. Sabe latim. Sim. Já mo disse. Desculpe. E depois desistir. Viras as páginas em ritmo constante. Sem ler sem ver. Passar o tempo. Depois ouvir o meu nome escandido ao longe e uma mão que me arranca as tripas. Já está. Agora eu. Apanhar os olhos de dentro da revista.

To do all the diddies in one dedal

[Leonardo da Vinci - Dama com arminho]

«The answer, to do all the diddies in one dedal, would sound: from pulling himself on his most flavoured canal the huge chesthouse of his elders (the Popapreta, and some navico, navvies!) he had flickered up and flinnered down into a drug and drunkery addict, growing megalomane of a loose past. This explains the litany of septuncial lettertrumpets honorific, highpitched, erudite, neoclassical, which he so loved as patricianly to manuscribe after his name. It would have diverted, if ever seen, the shuddersome spectacle of this semidemented zany amid the inspissated grime of his glaucous den making believe to read his usylessly unreadable Blue Book of Eccles, édition de ténèbres, (even yet sighs the Most Different, Dr. Poindejenk, authorised bowdler and censor, it can't be repeated!) turning over three sheets at a wind, telling himself delightedly, no espellor mor so, that every splurge on the vellum he blundered over was an aisling vision more gorgeous than the one before t.i.t.s., a roseschelle cottage by the sea for nothing for ever, a ladies tryon hosiery raffle at liberty, a sewerful of guineagold wine with brancomongepadenopie and sickcylinder oysters worth a billion a bite, an entire operahouse.»

James Joyce, Finnegans Wake

4.7.08

And no more turn aside and brood

[Bosch - Jardim das delícias terrenas (pormenor)]
«Touch me. Soft eyes. Soft soft soft hand. I am lonely here. O, touch me soon, now. What is that word known to all men? I am quiet here alone. Sad too. Touch, touch me.

He lay back at full stretch over the sharp rocks, cramming the scribbled note and pencil into a pocket, his hat tilted down on his eyes. That is Kevin Egan's movement I made nodding for his nap, sabbath sleep. Et vidit Deus. Et erant valde bona. Alo! Bonjour, welcome as the flowers in May. Under its leaf he watched through peacocktwittering lashes the southing sun. I am caught in this burning scene. Pan's hour, the faunal noon. Among gumheavy serpentplants, milkoozing fruits, where on the tawny waters leaves lie wide. Pain is far.

And no more turn aside and brood.

His gaze brooded on his broadtoed boots, a buck's castoffs nebeneinander: He counted the creases of rucked leather wherein another's foot had nested warm. The foot that beat the ground in tripudium, foot I dislove. But you were delighted when Esther Osvalt's shoe went on you: girl I knew in Paris. Tiens, quel petit pied! Staunch friend, a brother soul: Wilde's love that dare not speak its name. He now will leave me. And the blame? As I am. As I am. All or not at all.»
James Joyce, Ulysses

16.6.08

Bloomsday . III

[Cézanne - Les baigneurs]

«Nice smell these soaps have. Time to get a bath round the corner. Hammam. Turkish. Massage. Dirt gets rolled up in your navel. Nicer if a nice girl did it. Also I think I. Yes I. Do it in the bath. Curious longing I. Water to water. Combine business with pleasure. Pity no time for massage. Feel fresh then all day.»

James Joyce, Ulysses

Bloomsday . II

[Hans Holbein o Jovem - Vénus e Amor]
«he was clever enough to spot that of course that was all thinking of him and his mad crazy letters my Precious one everything connected with your glorious Body everything underlined that comes from it is a thing of beauty and of joy for ever something he got out of some nonsensical book that he had me always at myself 4 and 5 times a day sometimes and I said I hadnt are you sure O yes I said I am quite sure in a way that shut him up I knew what was coming next only natural weakness it was he excited me»

James Joyce, Ulysses

Bloomsday . I

[Iluminura do Book of Kells]

«Rhythm begins, you see. I hear. A catalectic tetrameter of iambs marching. No, agallop: deline the mare.»
James Joyce, Ulysses

6.6.08

An itch of death

[Dürer - Pássaro morto]


«Coffined thoughts around me, in mummycases, embalmed in spice of words. Thoth, god of libraries, a birdgod, moonycrowned. And I heard the voice of that Egyptian highpriest. In painted chambers loaded with tilebooks. They are still. Once quick in the brains of men. Still: but an itch of death is in them, to tell me in my ear a maudlin tale, urge me to wreak their will.»
James Joyce, Ulysses

21.5.08

A sombra

[Bosch - O Dia do Juízo (painel direito)]

«One by one, they were all becoming shades. Better pass boldly into that other world, in the full glory of some passion, than fade and wither dismally with age.»

James Joyce, The Dead

30.6.07

Hoopsa, boyaboy, hoopsa!

[Harry Bliss in The New Yorker, 28-12-1998]

«Deshil Holles Eamus. Deshil Holles Eamus. Deshil Holes Eamus.

Send us, bright one, light one, Horhorn, quickening and wombfruit. Send us, bright one, light one, Horhorn, quickening and wombfruit. Send us bright one, light one, Horhorn, quickening and wombfruit.

Hoopsa, boyaboy, hoopsa! Hoopsa, boyaboy, hoopsa! Hoopsa, boyaboy, hoopsa.»

James Joyce, Ulysses

17.6.07

Bloomsday at Lisbon


Stately, plump Buck Mulligan came from the stairhead bearing a bowl of lather on which a mirror and a razor lay crossed. A yellow dressinggown, ungirdled, was sustained gently behind him by the mild morning air. He held the bowl aloft and intoned: - Introibo ad altare Dei. Halted, he peered down the dark winding stairs and called out coarsely: - Come up, Kinch! Come up, you fearful jesuit!
James Joyce, Ulysses

Dezasseis de Junho de dois mil e sete em Lisboa.

Rectas facite semitas eius. Mais direitas ainda. Mais ainda. E esta chuva triste. Porque nunca se viu Junho assim. Eu nunca vi. Junho de chumbo. Sol atrás. Se lhe dissesse. Não sei. Talvez. É que isto não é vida. Outra vez. Outra vez não. É tão fácil. Dizer. O não é o presente. O não já eu tenho. Ainda bem que não trouxe os sapatos de sola gasta. Pneus carecas. Como daquela vez. Escadas molhadas e pum. Pum pum pum. Podia ter partido a coluna. Ainda pensei calçá-los hoje. Mas com este tempo. Maldito tempo. Maldita calçada portuguesa. Porque no alcatrão ou no cimento não. É só na pedra lisa. Não me sai do pensamento. Na altura certa. Arrebatado. E agora é diferente. É sempre diferente. Se eu pudesse escolher. Escolhia a mesma coisa. Digo eu. Porque não posso escolher. Porque só conheço isto. Antes mal com o que conheço. E se não. Não não.

Este já tenho este já tenho. Este não quero. Este já tenho. Este é chato. Este já tenho. Este deve ser daqueles. Daqueles para ler no metro. Eu leio Joyce no metro. Percebes o que quero dizer. Percebo. Daqueles que não obrigam a pensar. Este é bom. Mas não vou ter tempo. Quando olho para as minhas estantes e vejo quantos me falta ler. Nunca conseguirei. Vivesse eu duzentos anos. Este já tenho. Este quero se encontrar o original inglês. Este deve ser insuportável. Porque traduções só de língua que não saiba. Alemão ou chinês ou russo. Ainda podia ir ver a Gaivota outra vez. Havia alguém que dizia que. Tanto que. Que em férias só lia coisas que. Outro que. Que não obrigassem a pensar. Eu não consigo entender isto. Porque se não obrigar a pensar. De que serve. Um livro que não obrigue a pensar. Um livro para o lixo. Quem pode tirar prazer de não pensar. Gay & lesbian. Uma idiotice. Morte em Veneza será gay. Platão. De que serve um livro para gay & lesbian. Bom bom. É como os desfiles. Sum quod sum es quod es. E os outros nada têm que ver com isso. É que se eu quero esquecer-me dos problemas do dia não faz sentido que leia algo que não faça pensar. Porque se não faz pensar então eu volto a pensar nos problemas do dia. Este. They were young, educated, and both virgins on this, their wedding night, and they lived in a time when a conversation about sexual difficulties was plainly impossible. McEwan. Vou levar este. Onde estás. O que estás a fazer agora. Estou a pensar em ti. Queria estar contigo. Gostei tanto do In Between the Sheets. Aquelas noites frias em Queluz. À espera dos Contos do Imprevisto. Não encontro o Dahl. Bolas.

Onde está a Lhasa não está tem de estar. Lisa Gerrard. Bom bom bom. Tinha de ser antes. E se levasse a Lisa. My precious love. Mensagem tua será. É que o não está garantido. Sim sim. Não há Lhasa. Impossível. Melhor não entrar na clássica. Ir embora. Quando ia todos os dias àquela discoteca tão pequenina. Havia sempre uma caixa de música antiga. Ora muito bom dia tenho aqui coisas novas tão boas quer ver. Não não. Vou-me embora. Já chega. Ora adeus. Quantos terei comprado. Uns trezentos. Depois quando me fui embora achei que devia ir avisá-lo. Porque o senhor mandava vir coisas a pensar em mim. Estarás a pensar em mim. E eu fui lá e disse bom dia é só para dizer que me vou embora não mande vir mais coisas a pensar em mim.

Não devia. Faz mal. Engorda. Hm. Bira بيرة . Gostava de saber mais árabe. Como se dirá quero uma cerveja preta. Preta é 'asswada أسودة . É melhor não inventar. Porque os franceses dizem vinho vermelho e a gente vinho tinto e os gregos vinho preto. Os teus olhos são parecidos com os dele. Os dele são mais bonitos. Se calhar não são. Mas de ti não gosto não te conheço. E dele tanto tanto tanto. Por isso os dele são mais bonitos mesmo que não sejam. E estás a olhar para mim porquê. Não não. Agora não. Agora não tenho olhos para mais ninguém. Vou escrever-lhe. Dizer-lhe. Mas estas coisas não se dizem numa mensagem. Mais uma por favor. Já está. Já já. Já está. Não posso. Não devia. E agora.

Tanta noite na chuva. O caminho não acaba. Não me doem as pernas. Andaria mais duas dezenas de quilómetros. Arena tan suave. No es blanca sino amarilla. Amariblanca. Pero da igual. Iria por aqui. Agora não parava agora continuava. E chegava a meio da noite. Que importaria. Bom bom deixemo-nos de sonhos. Nunc est dormiendum. Talvez amanhã. Não sei. Já não sei nada. Só sei que. Sim.

22.5.07

Epitaphius primus

[Schwabe - Homem nu rastejando]

yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes.
James Joyce, Ulysses

Porque se isto é vida então a vida não é vida. Nem vive nem deixa viver. Porque vivo assim vazio. Havia de cavar uma cova. A minha sepultura. E pôr-lhe um epitáfio. Hic situs est. Tão mais bonito do que aqui jaz. Porque jazer é estar deitado a dormir morto. E eu não quero ficar deitado a dormir morto. Quero que me queimem o corpo. Bem queimado (nondum coctum est). Hic situs est Andreas. Muito bem. Talvez em letras gregas. Porque dá logo outro ar. Mas depois quem é que percebia. Que tolice. Ninguém vai sequer olhar. Amicos habuit paucos. Porque não os tive tantos. É que me custa tanto. Tão mais fácil encerrar-me na cela. E depois. Amauit. Numquam amatus. Sim sim sim. Gosto deste. O resumo da minha vida. Amei tanto tanto tão pouco tempo. Amei pouco. Mas tão. E. Mas não. Chega. Libros legit compluris eosque edere uoluit. Estranho estranho. Comer livros. καὶ ἀπῆλθα πρὸς τὸν ἄγγελον λέγων αὐτῷ δοῦναί μοι τὸ βιβλαρίδιον καὶ λέγει μοι λάβε καὶ κατάφαγε αὐτό καὶ πικρανεῖ σου τὴν κοιλίαν ἀλλ᾽ ἐν τῷ στόματί σου ἔσται γλυκὺ ὡς μέλι. E cheguei-me ao anjo e pedi-lhe que me desse o livrinho, e ele disse-me: toma-o e come-o, e amargar-te-á nas entranhas mas na tua boca será doce como o mel. Apocalipse 10,9. Tradução minha que o meu grego afinal ainda vai dando para isto. E eu peguei nos livros e arranquei-lhes as capas porque eram muito duras e têm tintas tóxicas e comi-lhes as folhas doces como mel. Amargas amargas. Porque é tudo tão doce. E depois no fim. Aquele amargor. Porque nada se me aguenta doce. É este o meu medo. Não sei. Tem sido mais fel. Algum mel. Pouco. Obiit. Óbito. Hábito. حبيبي Habîbî. Que mais dizer. Óbito. Foi-se. Finou-se. Quia fessus nimis. Tão tão. Cansado. Trop fatigué. Hélas. Et si. Ah non. Laisse tomber. Par terre. Sous terre. Souterrain. Sit terra tibi leuis. Não sei como prefiro tibi terra terra tibi tibi terra terra tibi. Laisse tomber. Sous terre. Lourde.

hic situs est ἀνδρέας.
amicos habuit paucos.
amauit.
numquam amatus.
libros legit compluris
eosque edere uoluit.
obiit.
quia fessus nimis.
sit terra tibi leuis.


Em minúsculas musculadas. Faltam-lhe os anos. Não não faltam. Porque não houve ano. Nem há. A minha vida não tem ano. Nem amo. Não. Eu amo. Mas eu não tenho amo.

21.5.07

Epistolário IX

[Baglione - São Sebastião]

Wombed in sin darkness I was too, made not begotten. By them, the man with my voice and my eyes and a ghostwoman with ashes on her breath. They clasped and sundered, did the coupler's will. From before the ages He willed me and now may not will me away or ever A lex eterna stays about him. Is that then the divine substance wherein Father and Son are consubstantial? Where is poor dear Arius to try conclusions? Warring his life long on the contransmagnificandjewbangtantiality. Illstarred heresiarch. In a Greek watercloset he breathed his last: euthanasia. With beaded mitre and with crozier, stalled upon his throne, widower of a widowed see, with upstiffed omophorion, with clotted hinderparts.
James Joyce, Ulysses
Π.Σ. ao seu querido André

Não te tenho escrito porque percebi que estás num processo de recordação. Diria catarse, se conhecesse a palavra. Não te quero atrapalhar. Porque já basta aquele tempo em que te entrava pelo quarto aos gritos e me lançava para dentro da tua cama. Já percebi que te liga uma coisa muito especial àquele rapaz que assina Ρ.Α.. Que te ligava. Porque também percebi que ele morreu. E que agora é tarde. Ou não. Porque só é tarde quando desistimos. E tu não desistes de ser feliz. Nem eu. Apesar de. Tu sabes.

E tenho ciúmes, acreditas. Não não. Não estou nem nunca estive apaixonado por ti. Tu sabes que se estivesse não o esconderia. Porque eu nunca escondi nada. Sim. Tu sabes. Não quiseste ver mas eu queria mostrar-te. Não percebo qual era o mal. Só porque. Lembras-te de quando eu dizia que não me importava de ir a casas de banho públicas com mirones, porque tinha uma pila (eu dizia assim) bonita? Está bem, eu não digo mais coisas destas. Mas era para as pessoas saberem como eu era. Tão louco. A bomba loura.

Queria que gostasses de mim como gostas ou gostaste dele. Gostava de saber o que tem teve ele que eu não tenho. Porque eu sou mais bonito de certeza. Eu sei que isso não te importa. Mas admite, é sempre tão bom ter um amigo bonito ao lado. Ou uma amiga. Eu sei que não gostas de mariquices, como tu dizias. Mas eu sou assim. Nada a fazer. Mesmo sendo tu a escrever por mim. Porque o meu português não daria sequer para entender um terço do que está escrito neste parágrafo. Quanto mais escrever.

Bonito mundo este o teu em que escreves cartas de amigos a ti mesmo. Pelo menos assumes. Mas tu sempre assumiste tudo sem medos nem vergonhas. Como eu. Por isso diz-me, o que é preciso para tu gostares de mim tanto como gostas desse Ρ.Α., porque eu quero tanto que tu gostes de mim tanto tanto. Porque tu lembras-te ninguém gostava de mim. Eu achava isso. Se calhar não era bem assim. Tu gostavas de mim. E havia mais pessoas. Mas eu só me consigo lembrar das que não gostavam de mim.

Eu sei que te metia medo. Sobretudo depois de. Porque tu lutavas contra ti mesmo. Essa é a luta mais dura. Porque não a queres vencer. Porque só a derrota te salvará. Ou será vitória. Afinal quem queres que vença. Foste mesmo tu o vencedor? Eu perdi. Tu sabes. Derrota estrondosa. Ou não. Não sei. Ai ai. Pudesse eu. Eu queria mesmo era beijar-te. Não porque estivesse apaixonado por ti. Porque estavas ali. E era tão fácil. Seria. Porque tu decidiste lutar contra ti mesmo. E perdeste. Ou ganhaste. Tu saberás.

Agora choras de amor. Choras não como eu chorei e choro. Porque isso do amor. Já sei já sei já. Não vamos falar disso. Bem bem. Já me viste os meus olhos como estão tão bonitos. Lembras-te quando eu andava desesperado a tentar arranjar haxixe. Porque aqui eu comprava-o livremente. E no teu país era proibido. Porque eu só dormia depois de fumar haxixe. Haxe. Xamom. Aquela tua namorada. Sim, eu lembro-me de quando tu tinhas namoradas. Não tens vergonha. Estavas a perder a luta. Ou a ganhar. A perder. Aquela tua namorada que tinha Xamonix escrito numa camisola e nós gozávamos tanto. Agora choras de amor. Que tolice. Nunca te vi assim. Deve ser mesmo especial. Mas já percebi que o teu prazo está a acabar e que lhe vais fechar a porta. E eu já te vi fechar portas. Nunca me feches a porta. Nunca ma fechaste. E quando fechares a porta vais chorar mais ainda mais mas depois vai passar. E vais encontar quem. Quem quem. Ah ah. Tu sabes.

Já chega estou tão cansado. Tu sabes. Bem bem. Vá. Deixo-te. Já vi que. Fecha lá isso. E vai à tua vida.

15.5.07

A letter

"He turned into Cumberland street and, going on some paces, halted in the lee of the station wall. No-one. Meade's timberyard. Piled balks. Ruins and tenements. With careful tread he passed over a hopscotch court with its forgotten pickeystone. Not a sinner. Near the timberyard a squatted child at marbles, alone, shooting the taw with a cunnythumb. A wise tabby, a blinking sphinx, watched from her warm sill. Pity to disturb them. Mohammed cut a piece out of his mantel not to wake her. Open it. And once I played marbles when I went to that old dame's school. She liked mignonette. Mrs Ellis's. And Mr? He opened the letter within the newspaper.

A flower. I think it's a. A yellow flower with flattened petals. Not annoyed then? What does she say?

Dear Henry,

I got your last letter to me and thank you very much for it. I am sorry you did not like my last letter. Why did you enclose the stamps? I am awfully angry with you. I do wish I could punish you for that. I called you naughty boy because I do not like that other world. Please tell me what is the real meaning of that word. Are you not happy in your home you poor little naughty boy? I do wish I could do something for you. Please tell me what you think of poor me. I often think of the beautiful name you have. Dear Henry, when will we meet? I think of you so often you have no idea. I have never felt myself so much drawn to a man as you. I feel so bad about. Please write me a long letter and tell me more. Remember if you do not I will punish you. So now you know what I will do to you, you naughty boy, if you do not write. O how I long to meet you. Henry dear, do not deny my request before my patience are exhausted. Then I will tell you all. Goodbye now, naughty darling. I have such a bad headache today and write by return to your longing

MARTHA.

P.S. Do tell me what kind of perfume does your wife use. I want to know.


He tore the flower gravely from its pinhold smelt its almost no smell and placed it in his heart pocket. Language of flowers. They like it because no-one can hear. Or a poison bouquet to strike him down. Then, walking slowly forward, he read the letter again, murmuring here and there a word. Angry tulips with you darling manflower punish your cactus if you don't please poor forgetmenot how I long violets to dear roses when we soon anemone meet all naughty nightstalk wife Martha's perfume. Having read it all he took it from the newspaper and put it back in his sidepocket."

James Joyce, Ulysses

13.5.07

Os fantasmas

[Pablo Picasso - Os dois saltimbancos]

He mounted to the parapet again and gazed out over Dublin bay, his fair oakpale hair stirring slightly.

- God, he said quietly. Isn't the sea what Algy calls it: a grey sweet mother? The snotgreen sea. The scrotumtightening sea. Epi oinopa ponton. Ah, Dedalus, the Greeks. I must teach you. You must read them in the original. Thalatta! Thalatta! She is our great sweet mother. Come and look.
Stephen stood up and went over to the parapet. Leaning on it he looked down on the water and on the mailboat clearing the harbour mouth of Kingstown.
James Joyce, Ulysses

Depois aninhaste-te no meu colo e disseste vou dormir. E eu passei a mão ao de leve pelo teu cabelo curto e encostei-me ao plástico da paragem do autocarro. A tua cabeça no meu colo tão perto. Tão perto de te dizer. Sentia-te a respiração lenta quente contra a minha pele. Como se não houvesse roupa entre nós. Queria baixar-me e deixar-te um beijo. E via a tua cara bonita serena. Os lábios abertos o sorriso travesso que nem o sono te tirava. Tinhas-me dito poucas horas antes que nunca foras tão feliz na tua vida. E eu acreditava. Nem eu. Nem eu tinha sido tão feliz. Não to disse. Não precisava. Não queria. As palavras matam. Mas disseram-to os meus olhos húmidos. Disseram mais do que eu silencioso queria. E tu sabias. Riste-te e de repente puseste um ar tão sério. Olhos cravados nos meus. Abri a boca para te dizer. E fechei-a. Porque não podia. Assim ficámos tanto tempo. Trocando palavras em silêncio. E eu quis estender-te a mão e puxar-te para mim e abraçar-te o resto da vida. No teu olhar rufia tanta solidão.

Havia dois fantasmas que nos impediam. O meu era a relação fracassada que me marcava ainda tanto. Aquela alma tão diferente que me revolucionara a vida. Os olhos doces e tímidos. Achava que ainda os amava. Apesar das evidências. Como podia eu amá-los ainda. Se me deixava agora afogar nos teus com esta força. E dos outros só guardava a doce recordação de tempo passado. Mas eu tinha vinte e seis anos. Vinte e seis. O que sabia eu de. E tinha-o à minha frente. E não o reconheci. Porque para reconhecer é preciso primeiro conhecer. Cego. Tomado de cegueira que tão funesta para mim e para ti será. Quando achei que era tempo de voltar à antiga relação onde achava que tinha sido tão feliz. E te abandonei. Para me arrepender. Demasiado tarde. Amargamente. O teu fantasma era mais duro. Não podias deixar a tua vida. Eu era um desafio demasiado grande. Assumir-me significava abdicares do teu mundo frio mas seguro. Ainda tentaste. Insinuando-o aos teus amigos. Em tom galhofeiro. Mas era tão inacreditável. Não passava pela cabeça de ninguém que. Nem pela minha. Apesar de tantos sinais. E no entanto. Hoje não tenho dúvidas.

Às vezes penso no que teria acontecido se. Porque a noite era propícia. Acabavas de me dizer que nunca tinhas sido tão feliz na tua vida como desde que estávamos juntos todos os dias. E eu tinha os olhos rasos de lágrimas de felicidade. E olhava-te mudo. Boca aberta que logo se fechava. E aqueles longos minutos olhos nos olhos. E se eu. Mas não. Acabei por baixar os olhos em pânico e dizer um qualquer disparate para nos aliviar. E continuámos a nossa estranha relação sem relação. Tantalizante. Eu sabia que tu. Porque era tão. E tu sabias que eu. E era uma tortura tão grande. Sentar-me ao teu lado. O teu cheiro. Sentir o teu hálito. E não te poder beijar. Abraçar.

Aquelas manhãs em que entravas silencioso no quarto onde eu dormia. Abanavas-me e murmuravas na tua voz rouca waky waky rise and shine. E eu acordava a rir. E um dia eu haveria de decidir que afinal era com os outros olhos doces que eu seria feliz. Porque. Não sei. Porque me tinha habituado a eles. Porque me tinha convencido de que os amava. E repetia-o a mim mesmo diariamente. E dizia-to. E tu deitavas-me uns olhos tristes e dizias que não eram aqueles os olhos que me fariam feliz. E eu olhava-te e não percebia. Que eu. Que tu.

Era preciso esperar tantas horas na noite morna. Sentados na paragem do autocarro olhando os faróis dos raros carros. Porque àquela hora a cidade dorme profunda. Encostados um no outro. Nunca estivemos tão perto. Sentia o teu calor confortável. E não dizíamos nada. Apenas sentindo a presença um do outro.