24.12.06

A cama

[Dürer - Adão e Eva]

a C.

Não sei. Tinha medo. Acreditava numa relação com pouca carne. De contemplação. Muito espírito. Era, hoje não tenho dúvidas sobre isso, um miúdo insuportável. Dominado pelos meus medos. Impondo-os aos outros. A ti. O sexo era um dos meus medos. E a cama o seu símbolo tão óbvio. Tão vulgar. Podia ter encontrado um menos evidente. Eu era tão plano. Tão chão. É o mesmo étimo latino, sabias. A mesma palavra latina deu plano e deu chão. E eu preferia que dormíssemos no chão. Tu também preferias. Mas com medo de que te partisse a cama. Não me parece que te dominassem os mesmos medos. De espírito mais pragmático, apenas te preocupava que te partisse a cama. Não é que sejas gordo, dizias. Realmente não era. Mas era grande. Muito grande. E pesado. E a tua cama era tão frágil. Achavas que se me deitasse nela a partiria. Se calhar. Nunca parti nenhuma cama. Mas a tua era tão frágil. Já disse isto. Um dia talvez tivesse bebido mais do que o desejável. Sim, tenho a certeza. Tinha bebido muito. De outra forma não teria acontecido. Uma ida ao Frágil. De certeza. Fim de noite. Talvez exagerasse no gin tónico. Hoje não bebo. Nem fumo. Estou a tornar-me tão plano. Tão chão. Tão chato. Chegámos a casa e pedi a tua cama. Não. Não tinha perdido os meus medos. Estava demasiado bêbedo para pensar. Menos ainda em sexo. E se se parte? Não se parte. Mas e se se partir. Não se parte. Partiu-se. Lembras-te.

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