26.12.05
Calmaria
Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
Sophia de Mello Breyner Andresen
A praia
As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.
Sophia de Mello Breyner Andresen
A ilha
[Richard Parkes Bonington, 1826 - No Adriático]
Acho que já contei isto. Havia um barco que nos fazia passar para a praia de areia fina, na ilha. A viagem era curta. Meia hora, talvez. Não tirávamos os olhos da água. Barbatanas dorsais de pequenos tubarões acompanhavam o barco. A água era escassa e transparente, víamos perfeitamente o fundo. Um dia a maré baixou tanto que ficámos presos nos bancos de areia, talvez a meio caminho. Tivemos de esperar que voltasse a encher. A praia nesse dia foi mais curta, mas a viagem foi muito mais excitante. Não, ainda não tinha contado isto.
Acho que já contei isto. Havia um barco que nos fazia passar para a praia de areia fina, na ilha. A viagem era curta. Meia hora, talvez. Não tirávamos os olhos da água. Barbatanas dorsais de pequenos tubarões acompanhavam o barco. A água era escassa e transparente, víamos perfeitamente o fundo. Um dia a maré baixou tanto que ficámos presos nos bancos de areia, talvez a meio caminho. Tivemos de esperar que voltasse a encher. A praia nesse dia foi mais curta, mas a viagem foi muito mais excitante. Não, ainda não tinha contado isto.
24.12.05
Noite de Natal
Na noite de Natal a minha irmã e eu jantávamos, abríamos as prendas, telefonávamos a uma amiga, e íamos, a partir das dez horas da noite, para um bar, beber copos. Nunca fomos natalícios. Eu sou ateu, a minha irmã não me consta que seja crente (tem graça, sei que ela é do Sporting, mas não sei se acredita em deuses). Assim passávamos a parte mais substancial da noite de Natal, a beber copos, a rir, entre gente a quem, como a nós, o Natal não dizia grande coisa. Agora ela mora longe, tem a sua própria família. Provavelmente bebe copos e ri com o marido. Eu envelheci, amoleci. Não sou ainda natalício, mas já não me custa tanto.
23.12.05
O calor
[Karl Blechen, 1829 - Gruta no Golfo de Nápoles]
O Verão tarda. Não é só do calor que tenho saudades. O que queria era sentar-me de novo a ver o mar, confortável, quente. Terei de esperar mais uns meses. Até lá, vou lendo Sophia.
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Mar
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
Sophia de Mello Breyner Andresen
O frio
[Karl Blechen, 1833 - Passagem alpina no inverno com monges]
Já não passo sem o aquecedor. Não era assim, quando era miúdo. Lembro-me de passar um Inverno inteiro sem vestir um casaco, de me bastar uma boa camisola de lã. Agora o frio é mais intenso. Ou assim me parece. Se calhar não está mais frio. Se calhar sou eu que penso que está. Mas a verdade é que já não passo sem o aquecedor.
17.12.05
10.12.05
Sísifo
Não era surpresa. Contei com isto desde o primeiro momento. Ainda assim, mantenho sempre a chama acesa. Não arrisco, e ainda bem. Não atinjo a felicidade, mas também não sofro. Anos de desilusão criaram crosta dura, difícil de quebrar. Arrisco pouco. Não, não arrisco nada. Já não me desiludo. Espero, fico sempre à espera, sem desesperar. Um dia parece que vai acontecer. Alimento a ilusão, parece que chego lá perto. Estou quase. Saboreio já os doces frutos. Mas logo desaparecem mal me afloram os lábios. Tântalo! Um aperto breve no estômago, e recomeçar, tudo de novo. Uma, duas, três vezes. E mais outra. E outra. Procurar, esperar. Afinal não me posso queixar, eu decidi assim. Podia ser tudo tão mais fácil. Prefiro manter-me no meu mundo de ilusão. Irreal. Esta chama, apesar de tudo, não se apaga. Espero, fico sempre à espera. Sem desesperar.
2.12.05
Não sei
[Caravaggio - São João Baptista]
Não quero mais. Não estou preparado para isto de novo. Já penei demasiado, ao longo dos anos. Agora, que me achava livre, liberto de tudo. Agora regressa. Não estou preparado para isto de novo. Ou então estou. Se calhar já passou tempo suficiente, talvez agora esteja pronto. Ou não. Se calhar não estou preparado para isto de novo. Não sei.
Partem tão tristes, os meus olhos
[Leonardo da Vinci - Cabeça de rapariga]
Cãtygua sua partindosse
Senhora partem tã tristes
meus olhos por vos meu bẽ
que nũca tam tristes vistes
outros nenhũs por ninguem.
Tam tristes tam saudosos
tam doentes da partyda
tam canssados tã chorosos
da morte mays desejosos
çem myl vezes que da vida.
partem tam tristes os tristes
tam fora de desperar bem
que nunca tam trystes vistes
outros nenhũs por ninguem.
Joam Rroiz de Castellbranco
Senhora partem tã tristes
meus olhos por vos meu bẽ
que nũca tam tristes vistes
outros nenhũs por ninguem.
Tam tristes tam saudosos
tam doentes da partyda
tam canssados tã chorosos
da morte mays desejosos
çem myl vezes que da vida.
partem tam tristes os tristes
tam fora de desperar bem
que nunca tam trystes vistes
outros nenhũs por ninguem.
Joam Rroiz de Castellbranco
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