26.2.07

Sustine diem

[Crónica de Nuremberga, Cato Vticensis]

Não se pode viver assim. Um dia inteiro. Interminável. Depois a noite. Curta. E se não nascesse nunca o dia. Sempre a dormir. Se pudessem os deuses parar a marcha do Sol e fazer a noite maior. Já li tanta coisa. Para quê. Sabe-me mal a pasta de dentes. Voltar para a cama. Não. Para quê insistir. Já não posso voltar atrás. Agora é enfrentar o dia. Ou não. Podia mesmo dizer que estava doente. E depois? Ia ver o mar. Já que não consigo voltar para a cama. Despachar-me. Adormecia com o copo de leite na mão. Como estou agora. Estátua de granito com copo de leite na mão. Porquê granito. É frio. Não sei. E passava o dia a dormir com a cara em cima da mesa. E depois só acordava à noite. E voltava a dormir. E nunca mais acordava. Não tinha de suportar o dia.

8.2.07

Foi há quatro anos

[Rui Oliveira - Auto-retrato]

Ausência

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Sophia de Mello Breyner


Foi há quatro anos. Era Sábado de manhã e eu dormia. E depois disseram-me que tinhas morrido. E depois fui ver-te tapado por um lençol branco. Não te esqueço.

6.2.07

E no entanto

[Dürer - Auto-retrato]

Já se me cobre a cabeça de branco. Mas não tenho rugas. Respiro como nunca. O coração responde com eficácia ao esforço. Tenho mais força. Estou mais ágil. Mais leve. Resistente. Descubro músculos e ossos de cuja existência nem suspeitava. Tenho, aos trinta e cinco anos, o corpo que devia ter tido aos vinte e cinco. E no entanto.