29.6.09

"As"

[Cornelis de Baellieur - Virgem e Menino entronizados]

e eu passei a tarde nas aulas a pensar na morte do dia porque quando o dia morrer eu vou dizer-te o que não te disse ontem e anteontem e nos outros dias, uma vírgula, já viste, e vou remar remar nas escadas rolantes, eu não uso vírgul. Onde ponho o ax. Dizias e tiravas um cigarro do bolso das calças. Tu tinhas os cigarros soltos nos bolsos como se. E eu pensava que tu que era e abri-te os olhos e levantei-me para te dizer que aqui não. Mas doía-me tanto a cabeça porque quando me deitava era como se não tivesse crânio e os miolos cobertos de pele fina de encontro à almofada. E quando levantava a cabeça os miolos a colar à almofada e doía-me tanto tanto. E por isso não disse nada. Torci a boca de dor e espalhei os miolos de novo em cima da almofada. Tu não percebeste o meu terror. De voltar ao hospital à cama do hospital à enfermaria e aos doentes da cabeça que se passeiam nus com uma bata à frente. E aos banhos de esponja e ao enfermeiro que quando durmo me põe a mão. E empurraste-me e sentaste-te ao meu lado na cama e repetias, onde ponho o ax, e eu pensava que era um que o que tu querias era. Tu eras um chato. Naqueles primeiros dias tu eras um chato. Mas não. Um cinzeiro. Cinza. As. Nederlands. Ax. Chamar a tua irmã dizer-lhe que não me voltasse a despejar irmãos que eram iguais a ela tu eras igual a ela os mesmos cabelos de palha e os olhos. Não me lembro. Azuis verdes de aço qualquer coisa assim uma verruma que me verrumava os olhos e me abria a cabeça e os miolos para. E depois já não eras chato e eu já não conseguia. Já não consigo. Agora quando puseres o invólucro de plástico entre os teus lábios e meus já não vou ficar de olhos entreabertos a ver-te tirá-lo no último segundo e não vou deixar cair a cabeça para trás e fugir de ti e da verruma dos teus olhos de aço. É isto que vou dizer. Por isso quando o dia morrer eu vou remar com força até ao comboio

1 comentário:

Unknown disse...

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