[Albrecht Dürer, 1515 - Cegonha]
O Sol inclemente queimava, assava-nos vivos. Vínhamos fugidos de Madrid, onde os termómetros subiam acima dos 45 graus. Ali, em Salamanca, estava um pouco mais fresco. Mas apenas um pouco. Refugiámo-nos na pensão que acabáramos de contratar, depois de uma primeira noite numa espelunca que só com muito boa vontade podia merecer o nome de "pensão", em plena Plaza Mayor. Esta nova pensão tinha o convidativo nome de "Lisboa". Era asseada e acolhedora. O meu quarto tinha um extra surpreendente: situado no último andar, aquilo que de início me pareceu ser a porta de acesso a uma varanda era na verdade o acesso a um terraço bastante grande, com vista para a parte velha da cidade - a Plaza Mayor ficava a poucas dezenas de metros. Ainda me sentei lá fora, debaixo do chapéu-de-sol, durante uns minutos. O calor era, porém, insuportável, e não sentia condições para me manter muito mais tempo ali, a admirar a bela cidade ocre. Voltei para dentro, e deitei-me, pronto para uma retemperadora (assim o esperava) "siesta". Não tardei a adormecer, ainda atordoado por uma noite mal dormida na espelunca da Plaza Mayor, onde não conseguira descansar de uma esgotante viagem de comboio desde Madrid. No entanto, passado algum tempo fui despertado por um barulho que na altura me pareceu de castanholas. Achei estranho. Era verdade que estava em Espanha, mas... Não precisei de ir para o terraço, bastou-me espreitar pela janela para perceber de onde vinha: numa torre sineira de uma igreja (ou assim me parecia, vista do quarto), um casal de cegonhas, que ali tinha feito o seu ninho, era o responsável pelo barulho, abrindo e fechando rapidamente os bicos, numa espécie de dança. Até hoje é essa a imagem que me vem é mente, sempre que vejo cegonhas ou os seus ninhos.