[Turner, 1835-1840 - Paisagem com rio e baía]
Sinto-me muito perto do pânico, quando estou demasiado longe do mar, quando o calor é muito. O calor do interior espanhol é próximo do insuportável. Salamanca parecia então um enorme forno a céu aberto. Do pequeno terraço da pensão podia ver o céu sufocantemente azul. Quente. Demasiado quente. O silêncio opressivo do calor. Os sons são abafados por este intenso silêncio, parecem sair de um recipiente fechado. Os edifícios ocres parecem fumegar. Nas ruas pouco mais se ouve do que o silêncio escaldante e abafado. Há um rio nas margens de Salamanca, atravessado por uma velha ponte romana. É o rio Tormes, que desde logo me cativou pelas ressonâncias queirosianas do nome. No dia anterior já havíamos atravessado a ponte. A vista era magnífica, com a velha Salamanca erguendo-se maravilhosa. Mas hoje o que nos preocupava era a vista de baixo: as margens arenosas e convidativas do Tormes. Descemos por uma encosta, e fomos dar a uma pequena praia fluvial, rodeada de mato denso. O cenário era espantoso. Havia arbustos e árvores de médio porte, que nos forneciam a desejada sombra. Deitámo-nos na areia grossa, apanhando o Sol que agora já nos parecia convidativo. Quando o calor era excessivo, chapinhávamos nas águas mornas do Tormes, por entre peixes e lagostins. Ou refugiávamo-nos na sombra da vegetação. E ali nos deixámos ficar toda a tarde, quase sempre sem falar, esmagados pelo silêncio estival, apenas quebrado pelo monótono ciciar dos insectos e pelo rumorejar das águas mornas do Tormes.
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