16.1.08

Três portas . Vermelha


[Iluminura do século XIII: Livro do Conhecimento dos Engenhos Mecânicos, de al-Jazarî]

A porta vermelha abria para um jardim tremendo. Onde tigre lambia as patas lançando os olhos agudos para um lado e para o outro. Como se esperasse que alguém abrisse a porta. Para lhe partir o pescoço com uma patada. E as águas cantavam canções de amor e de morte. Vermelhas do sangue dos homens que por ali passaram. Ou reflexo das bagas derramando sombra rubra sobre elas. Ao fundo uma muralha negra de morte medonha cercava o jardim escondido dos olhos dos homens. De fora só as copas das amoreiras. De quem a casca o tigre rasgava à falta de presa melhor. Às vezes deitava-se aos pés da princesa. E fazia rom rom como um gato. Ou assim juram os que já não têm orelhas de tanto as roçarem no lado de fora do muro negro de morte.

Trigueira como as mais belas princesas das arábias. Os olhos pedrinhas negras daquelas que caem do céu nas noites sem Lua. E a boca rasgada carnuda como a tâmara da Líbia. Tão linda. Sentava-se como uma gata selvagem. Os olhos faíscas debaixo do véu. Nunca lhe viram os cabelos curtos esmagados em panos vermelhos. A mais bela mulher do deserto. Ou assim juram os que lhe deixaram a memória em folhas de palmeira. Porque agora os pés onde se aninha o tigre são pequenos ossos brancos polidos. E da cara só a caveira onde aqui e ali pedaços de pele seca resistem ao tempo.

Esta é a porta vermelha.

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