André ao seu P. A.
Há aquele momento que me assalta todos os dias. Quando podia ter-te dito. E pegado na tua mão. Nos ossos da tua mão que já não era mão. Eram ossos. Como os de agora. Enterrados. E ficar assim quieto. A tua mão morta quase morta enterrada na minha. E dizer-te. Dizer-te com muita força. Tu sabes. Aquela noite. Quando deixámos de ouvir a música e as pessoas à volta. E tu disseste-me. E eu não. E eu não fui capaz. Eu não sou capaz. Ouve. Não sou capaz. Eu não sou capaz. E todas as noites quando me deito e tu me visitas o sono. Todas as noites. Vejo-te todas as noites. Com cabelo. E o cigarro maroto e os olhos pequeninos. E os rebentos de barba rufia. E depois o murro nas tripas daquele momento. Quando podia ter-te dito que. E apertado com força a tua mão quase morta na minha. E em vez disso fiquei de mãos esmagadas, as unhas cravadas nas palmas, e as tripas puxadas rasgadas com força força tanta força, a ver-te morrer. E cada dia se torna mais difícil.
Até já. Vou-me deitar.
Até já. Vou-me deitar.
2 comentários:
Que texto!...Tão cheio de vida e de morte! Quero dizer, tão cheio...cheio... só isso... e um nó na garganta.
Deus ama aqueles que tentam
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