[Antonello da Messina - Virgem da Anunciação]
Um dia fomos a Fátima. Não para rezar. Eu não sou cristão, tu creio que também não eras. Não me lembro de alguma vez termos falado de religião. Mas fomos a Fátima, por alturas de um 13 de Maio. Para tirar fotografias. Pedimos uma autorização especial para podermos estar na zona da imprensa, na procissão das velas. Lembras-te? Eu fiquei registado como teu ajudante. Mas antes estivemos em Coimbra. Tínhamos ido com muita antecedência, e aproveitámos para passear. Encontrámo-nos com umas amigas em Coimbra, e passámos uma noite atribulada, entre bebedeiras e sobressaltos.
No dia seguinte regressámos a Fátima. Era Maio, e aproximava-se a procissão das velas. Comprámos dezenas de velas. Lembras-te? Éramos doidos por velas. Levámos vários sacos cheios delas. Depois andámos a passear no santuário, à procura de boas fotografias. Fiquei chocado com aquela religiosidade excessiva, com aquelas mulheres (eram quase só mulheres) com ar sofrido, percorrendo de joelhos o recinto. Com aquela devoção pagã, os
ex voto deitados em enormes fornos. Regressámos a Torres Vedras nesse dia.
Alguns dias mais tarde, na noite da procissão das velas, regressámos, com os teus pais. Eles ficaram num restaurante, e nós fomos para o recinto do santuário, com as nossas credenciais ao pescoão. Foi uma noite que não hei-de esquecer. Apesar de ser ateu, fiquei profundamente impressionado com toda aquela religiosidade. Vista de dentro, da escadaria da basílica, a que tínhamos acesso graças às credenciais, mais impressionante ainda se tornava. Fizeste nessa noite fotografias extraordinárias. Mas a imagem que me ficou foi a daquela senhora com lágrimas escorrendo cara abaixo, alegria extática no sorriso, acompanhando com o olhar o andor onde seguia a imagem da Senhora de Fátima.
Tenho muitas saudades tuas.