29.5.08

The frumious Bandersnatch!

[John Tenniel - Jabberwock]

`Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe:
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

"Beware the Jabberwock, my son!
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersnatch!"

He took his vorpal sword in hand:
Long time the manxome foe he sought -
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.

And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!

One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.

"And, has thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!'
He chortled in his joy.

`Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe;
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.

Lewis Carroll

24.5.08

Cobra

[Velázquez - Los Borrachos]

Enrolado em mim cobra de olhos mortos que olham para lado nenhum. O corpo mole pesado erguido do chão em soluços arrítmicos. Esmagando-me o peito enquanto me enlaça e me afagam as mãos

Como aquela vez em que. Sempre tive vergonha. Tu sabes. São coisas minhas. Nossas. Mas agora que importa. Em que não sei se era o álcool se um pretexto. Porque é que tu nunca me falaste disto. Porque é que nunca reagiste. Podias ter dito pára. Ou o que é que tu queres. E se só depois te tivesses dado conta. Não gostei. Que ideia foi a tua. Qualquer coisa. Gritar. Fugir. Mas não o silêncio. Como se nada. E eu despejava nos teus os meus. Os olhos. Suplicantes. À espera de um sim de um não. De um murro até. Sabes. Como aqueles que distribuías a estranhos. Eu nem a isso tive direito. E eu merecia. Podias ter-te virado para trás. Questamerda. Toma. Lembras-te. Eu não. Só do teu corpo cuspido no meu. E da pressão tu sabes a pressão. O meu pequeno embaraço. صغير . Rasgando-te as costas delírio impensado. E tu nem um pára nem um questamerda nem um. Um sonho sabes um sonho de merda. Para depois abrir os olhos e ver-te ali. Dois montinhos enrugando o lençol ao fundo da.

pesadas torpentes de vinho cansado. E o doce húmido que te escorre da boca e eu devia virar a cabeça e fugir-te os murmúrios etílicos. Sinto-te o corpo molhado uma lata de cerveja bebida trepando-me sem parar sem pudor. Os teus anéis fortes expulsando-me as entranhas do lugar e cada vez me é mais difícil res. Respirar e não é do teu aperto quer dizer sim é do teu aperto mas não é a força que tu fazes é o teu calor e o meu embaraçoصغير sim sim o meu pequeno embaraço espero que não repares. E se reparares. A culpa é tua. Dos teus lábios. Os teus lábios cheiram a mosto e a fumo e àquele cheiro azedo do fim da noite e se eu pudesse morder-tos até gemeres outra vez como agora enquanto me entornas os teus olhos vermelhos garganta abaixo. Sabem a vinho negro pastoso. Os lábios de carne tremida que se abrem e se fecham colados quase quase colados aos meus. Pára por favor. Porque se tu não queres então porque me torturas assim.

21.5.08

A sombra

[Bosch - O Dia do Juízo (painel direito)]

«One by one, they were all becoming shades. Better pass boldly into that other world, in the full glory of some passion, than fade and wither dismally with age.»

James Joyce, The Dead

18.5.08

حب

[Bosch - Santa Inês e o doador (pormenor)]

Enquanto me afogas no aço cru dos teus olhos e a onda que eu cria morta se ergue de novo e me esmaga em areias de fúria.

17.5.08

Sítio

A série Purga foi publicada, em versão sequencial e completa, no número 4 da revista Sítio, ontem apresentada na livraria Trama, em Lisboa.

13.5.08

Maré baixa

[Bosch - Santa Inês e o doador (pormenor)]

É uma solidão feita de lama amassada no recolher da esperança. A parede negra do fumo dos teus cigarros, um bolor entediado escorrendo dedos de medo. E eu os olhos despejados no dia pastoso que me esmaga o peito. Do copo o cheiro da morte que vem hoje amanhã não sei. Porque enquanto esfrego a mesa com o olhar e penso no dia na hora em que tu e eu. Descem-me as horas sobre a cabeça e eu vou-me dormindo à espera de que o dia passe. Este e o outro. O de amanhã. Porque enquanto os dias não deixarem de passar.

12.5.08

Agonia

[El Greco - Agonia no Horto (pormenor)]
«Como quando se tosse nas garagens à noite, pensei, e se sente o peso insuportável da própria solidão, nas orelhas, sob a forma de estampidos reboantes, idênticos ao pulsar das têmporas no tambor do travesseiro.»
António Lobo Antunes, Os cus de Judas

6.5.08

Pastor

[Bosch - Inferno (pormenor)]

pastoreando bocados de medo enquanto a noite cornuda me esmaga em postas de garras tossindo o sangue e a dor de entranhas e olhos chovendo a pasta branca dos meus terrores e os urros senhores e os urros de um crânio apertado em tenazes de bronze vomitando a gosma negra da merda da minha sim e eu aqui

Maré

[Blake - Hécate]
«Não apague a luz: quando você sair a casa aumentará inevitavelmente de tamanho, transformando-se numa espécie de piscina sem água em que os sons se ampliam e ecoam, agressivos, retesos, enormes, batendo-me violentamente contra o corpo como as marés do equinócio na muralha da praia, rolando sobre mim espumas foscas de sílabas.»
António Lobo Antunes, Os cus de Judas

1.5.08

O medo

[Caravaggio - Flagelação]

à memória do Rui

«O prédio que constroem à minha frente emparedar-me-á em breve à maneira das personagens de Poe e somente os meus dentes cintilarão nas trevas, como os dos esqueletos antigos acocorados num ângulo de caverna, a abraçarem os ossos dos joelhos com os tendões amarelecidos dos cotovelos.»
António Lobo Antunes, Os cus de Judas


Quando a morte te perseguia pegavas no carro e ias deitar a cabeça fora. Depois chegavas lento de olhos esmagados de um medo ferrugento oxidado. Tiravas o pé do pedal e despejavas devagarinho o olhar. E assim quando os teus olhos alfim se punham nos meus eram duas bolas macias e mortas e a morte lambia-me o peito e rosnava venci.