30.8.08

O monstro . 6 . Autor de tanto estrago

[Bosch - Jardim das delícias terrenas (pormenor)]

Impresso de 1726, achado na Biblioteca Nacional, com a quota
H.G. 23767//7 P, encadernado entre outras coisas bem menos interessantes, posto que mais importantes. Transcreve-se respeitando ortografia e pontuação. Em episódios.
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«Traducção de huma carta escrita da Cidade de Alepo em 10. de janeiro de 1726.

Ha muito tempo, que desejava merecervos o gosto de me dar novas vossas, por meyo da diligencia de volas pedir; mas os embaraços, em que me tem posto os meus negocios, obrigandome a fazer hum giro por varias escalas da Asia, me impossibilitaraõ o procurar satisfaçaõ deste desejo. Naõ duvido, que esta carta depois de hum silencio taõ profundo, em que havemos estado, e de hum intervallo taõ grande, que tem tido a nossa correspondencia, vos parecerá, que vay do outro mundo; principalmente se por essas partes tem soado os estragos, que por estas tem feito taõ repetidas vezes o contagio; levando hum infinito numero de gente; mas para que vejaes, que ainda estou vivo, e que naõ quero estar morto na vossa memoria, me quero aproveitar da via do Capitaõ Justiniano, que aqui chegou de Alexandreta, onde se acha o seu navio de partida para esse porto; e dizervos, que depois de vos haver escrito de Astrakan os prodigiosos progressos de Mohaidin, me foy preciso atravessar a Georgia, ir a Asia Menor, e passar à Syria, e ao Egypto, donde voltey de Alexandria a esta Cidade, que he a mais populosa, e mais mercantil de toda a Syria; onde me parece, que farey huma residencia dilatada, por haver feito sociedade com huns negociantes Armenios, de cabedaes grossissimos, e vastissimas correspondencias; e assim espero nella largas noticias vossas, e de todos os amigos.

Naõ faltaõ desta banda algumas, que poderaõ ser do vosso agrado; mas darvos-hey huma ao meu parecer muy rara; que he o haverse visto nesta Provincia hum animal monstruoso, que dos montes da Cilicia passou aos deste Paiz, e assim nas estradas, como nas Povoaçoens devorava todo o animal vivente, que encontrava, enchendo de consternaçaõ a todos estes moradores. O que se referia da ferocidade deste Bicho, a quantidade de gado, que despedaçava, o numero de pessoas, a que tirava a vida; ao mesmo tempo, que influia espanto, e causava terror, punha em mais alto grao a curiosidade de reconhecer o author de tanto estrago.»

[continua]

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