12.8.08

Kill the pain . XXIX . Mão

[Barent Fabritius - Circuncisão]

I remember you well in the Chelsea Hotel,
you were talking so brave and so sweet,
giving me head on the unmade bed,
while the limousines wait in the street.
(Leonard Cohen)
Moía-me uma dor pequenina e eu cruzava as pernas sem conforto. Mas com força. Para a esganar. Assim. Como se faz aos tordos. Depois mordia. Mordia-me. Primeiro devagarinho. Como quando as bolhas no fundo da cafeteira. Crescendo. E já não era aquele desconforto. Era assim como disse. Dentadinhas. De periquito. Assustam mais do que doem. E às vezes já não mordia. E eu descruzava as pernas e depois zás. Trinca. Afinal. Com mais força. Como. Ah. Lembras-te. Fugiam e depois eram horas. Aprenderam a abrir a porta da gaiola. Com os focinhos. Força força força já está. A mãe não gostava e dizia malditos ratos. Não eram ratos. Sem cauda. Lembras-te. Não eram ratos. Duas faquinhas com bigodes por cima. E doía. Sabe. Um dia sangrou. E nunca mais lhes peguei. E agora era assim. Só que não sangrava. Ainda. Apertar as pernas com força. O sangue zum zum nos ouvidos. Quando a noite me esmaga de silêncio. Só que agora. Autocarro. Não é noite. E há esta gente que me cospe os olhos no colo aflito. Sabem não sabem. Não podem saber. Impossível. Não se vê. Debaixo da roupa. Não se vê. A minha vida tem sido feita disto. De pequenas coisas pequeninas. E o calor senhor. O calor na cara e na testa. E esta dentada que já não é dentada. Porque agora era uma garra que me agarrasse e arrancasse a pele. Sem parar. Sem relaxar. Sempre a crescer. Torcendo-me no banco. A senhora do lado roncando suspiros obesos. Tocar. Ferrão. Verificar. Ajuda. Por favor. Pôr lá a mão. Sempre a mão. Morta. Maldita. Maldita mão.

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