27.10.07

O medo

[Goya - Loco furioso]

«Por fim, Ivan Dmítrich, vendo que era inútil resistir, deixou de raciocinar e entregou-se ao desespero e ao medo. Começou a isolar-se e a evitar as pessoas. O serviço, que já antes lhe repugnava, tornou-se-lhe insuportável. Tinha medo que o levassem a meter-se em sarilhos, que lhe metessem à socapa dinheiro de um suborno no bolso para depois o apanharem, ou que ele próprio, por descuido, cometesse um erro nos papéis oficiais que pudesse ser considerado fraude, ou que perdesse dinheiro que não fosse dele. É curioso: o seu raciocínio nunca dantes fora tão flexível e inventivo como agora que fantasiava, dia a dia, milhares de motivos sérios de receio pela sua liberdade e honra. Ao mesmo tempo, ia enfraquecendo a olhos vistos o seu interesse pelo mundo exterior, em particular pelos livros, e já a memória começava a traí-lo.»
Tchékhov, Enfermaria nº 6
trad. de Nina Guerra e Filipe Guerra

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