27.12.07

Carceri d'Invenzione . III . Doppler

[Piranesi - Carceri d'Invenzione]

Na manhã em que foi libertado coçou a barriga e ouviu um estrondo lá dentro. Da barriga. Claro. Porque mais nada poderia estoirar daquela maneira. Assim. Ouviste? Deixou-se ficar um bocadinho a pensar. O que seria aquilo. Um estrondo dentro da sua barriga. Podia ter morrido. O perigo. E terem-lhe saltado as tripas cá para fora. Não. Que disparate. E coçou outra vez, só por via das dúvidas. E de novo um estrondo. Mas agora. Sim, sem dúvida. Agora estava mais grave. Como se a barriga se estivesse a ir embora. Mas se realmente estivesse. Não. Impossível. Ora deixa lá ver. Ora essa. Estava. Vermelha. A sua barriga estava vermelha. No lugar onde a coçara. Ora se estava vermelha. Então abriu a mão e colocou-a devagarinho. Assim. Sobre a pele da barriga peluda. E pensou: e se eu coçar outra vez. Afagou a barriga. Mas sem coçar. Só afagar. E vinha de dentro da barriga um rosnar rnh rnh assim rnh rnh como um tigre zangado. Zangado. Mesmo zangado. É que se não estivesse zangado não era bem assim. Era mais como. Então levado talvez por estes pensamentos coçou distraidamente a barriga. E fez-se ouvir outro estrondo. Assim. Agora mais grave. E se o som do estrondo era agora mais grave. Pronto. Não havia mais dúvidas. A sua barriga estava a fugir-lhe. Cada vez mais longe. Cada vez mais vermelha. E isso era óbvio para qualquer pessoa que soubesse um bocadinho de astrofísica.

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