[Bosch - Tentação de Santo Antão (pormenor do painel esquerdo)]
Pousou o copo no parapeito e despejou os olhos no rio. Gostava de os ter ali. Bebendo o limo e a lama enquanto a noite morria devagarinho. Depois respirou fundo. A mão procurou o copo. Ali. Está ali. Baixo e largo. Um gole. Dois. Já chega.
Não devia beber tanto nesta noite tão. Mas quê. Olhar as estrelas e beijar a Lua como se fosse um romance cor-de-rosa. Não. Os meus olhos bebem o limo e a lama. Habituem-se ao gosto. Para quê olhar o céu. E o cheiro. Água morta. Buaaaaaaaaaaaach. Buaaaaaaaaaaaaach. Como se me chamasse. Ouve. Buaaaaaaaaaach. O mar é mais bruuuuuum bruuuuuum. Aqui as ondas são tão. E o cheiro. Eu entrava em casa com lama até ao pescoço. Uma rã na mão. E a água quente quente na banheira cheia. Sabia tão bem. Se aqueles dias. A pele a ficar vermelha e o vapor tão espesso. Aqui não há rãs. Tê-las-ia ouvido. Só morte. Às vezes penso em ti e choro. Depois os dedos engelhavam e a mãe gritava sai já do banho. Se agora me engelharem os dedos. E os olhos de te chorar. Tantos anos. E ainda. Eu acreditava que amanhã era sempre melhor. E agora quando acordo de manhã. E se me estende este dia sem fim. Porque eu gostava da noite eterna. Sabes. Dormir. Quando durmo não dói. E depois não acordar. Para não ter de enfrentar outra vez esta luz medonha. É limo. Cheira a limo. Não é morte. As forças começam a faltar. Não é por. Não. Isso já não me mata. É esta falta de. Este vazio. Mas não. Hoje não.
Recolheu os olhos e empurrou o copo para fora do parapeito. Ficou a ouvi-lo estilhaçar-se com um som negro contra a falésia. Depois o silêncio.
Talvez amanhã.
Não devia beber tanto nesta noite tão. Mas quê. Olhar as estrelas e beijar a Lua como se fosse um romance cor-de-rosa. Não. Os meus olhos bebem o limo e a lama. Habituem-se ao gosto. Para quê olhar o céu. E o cheiro. Água morta. Buaaaaaaaaaaaach. Buaaaaaaaaaaaaach. Como se me chamasse. Ouve. Buaaaaaaaaaach. O mar é mais bruuuuuum bruuuuuum. Aqui as ondas são tão. E o cheiro. Eu entrava em casa com lama até ao pescoço. Uma rã na mão. E a água quente quente na banheira cheia. Sabia tão bem. Se aqueles dias. A pele a ficar vermelha e o vapor tão espesso. Aqui não há rãs. Tê-las-ia ouvido. Só morte. Às vezes penso em ti e choro. Depois os dedos engelhavam e a mãe gritava sai já do banho. Se agora me engelharem os dedos. E os olhos de te chorar. Tantos anos. E ainda. Eu acreditava que amanhã era sempre melhor. E agora quando acordo de manhã. E se me estende este dia sem fim. Porque eu gostava da noite eterna. Sabes. Dormir. Quando durmo não dói. E depois não acordar. Para não ter de enfrentar outra vez esta luz medonha. É limo. Cheira a limo. Não é morte. As forças começam a faltar. Não é por. Não. Isso já não me mata. É esta falta de. Este vazio. Mas não. Hoje não.
Recolheu os olhos e empurrou o copo para fora do parapeito. Ficou a ouvi-lo estilhaçar-se com um som negro contra a falésia. Depois o silêncio.
Talvez amanhã.
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