24.4.13

E outra coisa te direi e pedirei, na esperança de que obedeças:
não ponhas os meus ossos longe dos teus, ó Aquiles,
mas juntos [...]

Ilíada, XXIII.82-84
(trad. Frederico Lourenço)


regresso aos teus braços descarnados aos teus ossos. e tu recebes-me sempre outra vez e outra e outra.

21.4.13

1998

e eram aquelas noites despenhado sobre o telefone. já contei isto. já te contei. à espera de. já não sei que esperava eu. e o telefone não tocava. e eu enrolado como um bicho-de-conta esmagado pela solidão e pelo abandono.

18.4.13

nothing´s right If you ain´t here


nothing´s right
if you ain´t here,
I´ll give all that I have,
just to keep you near
(Massive Attack)

Queria dizer-te ainda que às vezes parece que se me vão desatar as palavras e te vou por fim dizer o terramoto que me devasta as entranhas e que me vai torturando devagar devagar porque me é cada vez mais difícil estar ao teu lado sem te dizer que quando abro os olhos de manhã já os meus pensamentos viajaram para ti e que quando os fecho de noite é a ti que vejo até que a escuridão me embale num sono povoado de sonhos teus. Mas depois as palavras enrolam-se de novo umas nas outras e apertam-me a garganta até me sufocarem de novo neste medo que não me abandona nunca.
"Tudo visto e pesado, prós e contras, vem vem já. Estou farto de viver sem ti, espero apenas que me digas o dia, e que seja o mais próximo possível. Espero-te com todo o amor do mundo."

António Lobo Antunes, D'este viver aqui neste papel descripto

12.4.13

o deserto (2013)

povoas-me os pensamentos os dias inteiros. e as noites são um deserto intransponível sem te poder abraçar.

10.4.13

Alors, on y va?

VLADIMIR - Alors, on y va?
ESTRAGON - Alons-y.
  
Ils ne bougent pas.

(Beckett, En attendant Godot)


A tua ausência era uma garra que me rasgava as tripas. As noites debruçado sobre o telefone que me cuspia a sua (a tua, a tua) mudez. Porque eram as noites que custavam mais. E a cara enterrada nas mãos e as lágrimas não queriam cair. Uma dor seca. Como o teu sorriso trancado nos lábios de aço.

7.4.13

Mas regressemos ao passado e à história que te estava a contar

Depois desapareceste. Quantos dias. Quantas semanas passaram. Um mês. Mais. Lembras-te. Eu não. Só do terror que me arrancava as tripas. De não voltar a ver-te o sorriso trancado atrás dos lábios de aço. E a esperança que de manhã me arrancava da cama morria depressa, substituída pela violência do vazio de não te ver.

6.4.13

terramoto

Queria dizer-te que me morrem na boca as palavras quando estás ao pé de mim, que as que saem não são as que te queria dizer. Queria dizer-te que me caem os olhos e não os consigo levantar com medo de encontrar os teus no caminho.

ressurreição

e quando a noite morria e o fedor das ondas do Tejo anunciava os primeiros brilhos da madrugada e eu me enterrava com mais força no banco de trás. os olhos a empurrar os ponteiros do relógio para a noite se finar mais depressa e chegar a hora do comboio que me haveria de levar sozinho para casa a chorar a minha tremenda decepção. foi quando tu deixaste cair cair sobre mim o teu hálito de cerveja morna e perante o olhar aflito do taxista cravado no retrovisor. lembras-te. eu nunca me hei-de esquecer.

3.4.13

a decepção

[Angelo Morbelli - feriado no Pio Albergo Trivulzio]

Chegou a noite e foi morrendo a esperança. Talvez ontem te tenha lido mal os olhos gelados e o sorriso trancado. E a cerveja a cair-te aos trambolhões pela garganta. E havia uma perna que de vez em quando batia na minha e voltava para trás. E passado um bocadinho batia de novo e depois já não voltava para trás. E a indiferença com que me disseste então não vens amanhã e eu vim eu estou aqui. Como é que eu pude achar que. Porque agora os meus olhos já nunca encontram os teus. E a noite vai durar para sempre porque eu não posso ir embora chorar a minha decepção.

O cambaleio

O carro a pisar em cambaleios de hippopótamo os buracos da estrada e eu lá atrás despejado no banco com o estômago, não, com as tripas arregaçadas num nó que dura desde ontem ou anteontem ou. Já não sei. Há tanto tempo. E depois abriram a porta do carro e despejaram-me na feira popular. ficas bem. fico. fico. Porque tu já lá estavas e acenavas indolente e trancavas como sempre o sorriso atrás dos lábios. E depois a tarde a escorrer devagar e nunca mais acabava.