11.8.06

Falhado de novo

[Bosch - Queda dos anjos rebeldes]

Mil novecentos e oitenta e quatro. Cheira a estrume. Uma camioneta de onde saíam uns senhores mal-encarados, armados de enxadas e outras alfaias. Manhã fria de Primavera. Ou seria Inverno. Sim, final de Inverno. O céu estava de chumbo. Não gosto de me levantar cedo. Chovia. Quero voltar para a cama. Para o calor. Abraçava-me a mim mesmo, tentando aquecer-me. Mesmo que a chuva me atacasse a cara enfiada dentro do capuz. Não conseguiria nunca aquecer-me. Apesar de tudo aquele cheiro forte. Estrume e terra molhada. Mal conseguia com a enxada. Atacava a terra com fúria. Não era aquilo que eu queria. Não era esta a vida. Olhava em volta e via-os a todos. Havia gritos de alegria. Risos. O estômago encolhia-se-me. Uma vontade incontrolável de chorar. Não era aquilo. Não pertencia ali. Tragédias de um quase adolescente. Parece tudo tão negro sempre. Agora às vezes também. Apoiava-me na enxada e pensava na melhor maneira de fugir dali e nunca mais ser visto. Haveria ali alguém que gostasse de mim. De quem eu gostasse. Não sei. Misantropo. Depois atiraram-me com a pequena árvore. Já está bom o buraco, rapaz, toca a plantar. Uma árvore pequenina. E eu tão grande. Grande, desajeitado, taciturno. Depois atei a árvore ao pau de suporte. Tão frágil. Olhava-a e não acreditava que vingasse. Batida pelo vento. Se isto fosse uma história cor-de-rosa eu agora escrevia que anos depois passei pela árvore que plantei em frente da escola e que ela estava grande, desajeitada e taciturna como eu. Maior do que as dos meus colegas, pois também eu era o maior de todos. Mas não. Poucos meses depois a minha árvore continuava raquítica, desfolhada, talvez morta. Ao contrário das dos meus colegas, que ganhavam as primeiras folhas primaveris. A minha não. Sim, estava morta. Eu passava todos os dias e parava, procurando um rebento, uma folha, alguma coisa que me dissesse que estava viva. Mas rebentos e folhas só no pau de apoio. Eu não tinha um pau de apoio seco e morto, como deve ser. Como tinham os meus colegas. Não. Eu tinha um pau de apoio cheio de vida. E uma árvore morta. Nem sempre passei ao lado do que realmente interessa, porém.

Sem comentários: