24.11.07

Pompeiis die IX K. Sep. anno DCCCXXXII A.V.C.

[O deus Baco, com o Vesúvio ao fundo]

Severo saúda o seu Tito.

Espero que estejas bem. Eu vou bem. Ou assim convém dizer nas cartas. Mas não. Os dias não passam e os deuses nada me trazem de bom. A Serena queixa-se da barriga. Não me morra ela como lhe morreu a mãe. Lembras-te. Aquele inchaço. E as mãos retorcidas arrancando a pele de dor. Olhava para a montanha e gemia. Ela. A Flávia. Porque a montanha não gemia então como geme agora. Os roncos. E as entranhas revoltas. Pobre Flávia. E agora a Serena. Não sei. Às vezes parece-me que os deuses. Sabes. Tenho medo. Há fumo. E estes tremores. Os anos. Um dia deixarei de escrever. Porque a mão já não me acompanha. Notarás aqui e ali a cera raspada. Porque me foge a mão. Assim. Como se ma puxassem. Mas não há ninguém no escritório. Só eu. Tu sabes. E às vezes é todo o braço que treme. Um repelão. E depois não me apetece raspar a cera toda e recomeçar esta carta. Perdoarás pois o teu velho amigo e o seu desmazelo. Tenho pena de que não estejas aqui. Sinto a tua falta. Tens de voltar. Já passaram nove anos. As reconstruções avançam. O chão tem tremido é verdade. Mas a cidade reergue-se. E enquanto treme assim aos bocadinhos é certo que não treme como. Lembras-te. Claro que te lembras. E eu não sei porque me banha este terror. Se a doença da Serena. A perspectiva da morte. A dela. E a minha. Sobretudo a minha. Não é no corpo. É na alma. Porque o corpo não está mal. Ainda ontem vim de Cumas. Lembras-te. Dia da Lua. Feira em Cumas. E estou cansado. Mas não mais do que quando tinha trinta anos. É na alma. Um peso um terror. E quando o chão treme. E o fumo. O que me mete medo é o fumo. Porque me lembra a morte. A pira. E eu sei que não tarda morro. Gostava de te voltar a ver. A montanha geme. Como a Flávia. E este Agosto vai tão quente.

Trata de ti.
Adeus.

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