14.4.09

Cova

[Giovanni Bellini - Falsidade (ou Sabedoria)]

Não te lembras. Da carta e das saudades cuspidas. Porquê. Imagine-se. Saudades. Se não as tinhas. Tu não as tinhas. Porque se as tivesses. Faz um esforço. Lembras-te. Não. Se as tivesses. Mas escreveste. Te echo de menos. Joder. Se eu acreditei. Não. Me echabas de menos. Yo a ti sí. Joder. Te echaba tanto de menos. Mas tu a mim. Não. x x x x x. Agora ouves-me. Como eu te ouvi. A carta a escorrer da ranhura na porta e os dedos encharcados de medo abrindo caminho devagar devagarinho porque eu não queria rasgar o envelope para não te perder nem um bocadinho percebes para te poder guardar inteiro o papel e a tinta e o cheiro já que não te podia guardar a ti porque tu me tinhas fugido tu tu tu que nunca foste meu tu que nunca tu que sempre me viste como o mal menor sabes não sabes enquanto não te aparecia nada melhor e eu queria abrir o envelope devagarinho para não te rasgar. E agora. As tuas letras a pingar o suor das nossas noites. Te echo de menos. O suor da tua cama torta. Disso lembras-te. Claro. Da cova que fazia no meio e para onde caíamos e estava tanto calor. E onde tu uma noite me perguntaste queres uma toalha. Se eu queria uma toalha. Imagina. Se eu queria uma toa. Uma toalha. Se eu queria. Sair dali cagar para a velha que me ouvisse que te ouvisse cagar para a velha. Cagar para a velha e para ti. Sabes. Não sabes. Tu nunca soubeste. O medo a vergonha o desespero. Uma toalha. Se eu queria uma toalha. Não quero. Não quero nada. Adoro-te. Eu adorava-te.

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