6.9.08

Kill the pain . XXXI . Humiliate uos

[Giotto - Lamentação sobre Cristo morto]
humiliate uos ad benedictionem
(do rito moçárabe)


Lembras-te. A mão descia e. Sempre a mão. Até ao fim até ao. E eu já não sabia se o suor era teu se era meu. Mas agora não era para me fazer mal. A mão. A minha. Ou talvez. Talvez sim. A verdade é que. Lembras-te. Foi mau. Muito mau. E nunca mais passava. Primeira vez. A minha. A tua não. Tu avisaste-me entre risos envergonhados. Mas nada do que viesse de ti era mau. Ou era. Era. Foi. Tanto faz. Já passou. Mas naqueles dias. Naquelas noites. Nada que viesse de ti. Mesmo quando não me vias nem me telefonavas. E depois veja lá. Aparecia-me. Assim. Como se ontem e anteontem e na semana passada. Percebe. Como se nos víssemos todos os dias. Como se fosse uma rotina. Uma rotina boa. De namorados. Mas dois que se viam de vez em quando. Quanto tu querias. Porque eu. Eu queria-te todas as noites. Beber beber-te os lábios e a língua agarrar-te morder-te o pescoço insultar-te as nádegas beijar-te entornar-me dentro de ti. Percebe. Era a primeira vez que eu. Até então a mentira. Há tantos que. A vida toda. Mentindo-se a si e aos seus. Mas eu. Eu não. Quer dizer. Ainda me minto. Mas não nisso. Ou. E ele aparecia. Como se. E dizia-me. Então hoje à noite às tantas horas no tal sítio. O tal sítio era um bar ou uma tasca daquelas. Sabe. Ginginha com elas. O chão tem cola e os sapatos fazem nhac nhac. E eu ia. Sicut ouis ad occisionem. Sem um protesto sem um tive saudades sem uma vírgula de dignidade. Ontem não me quiseste nem anteontem nem na semana passada. Hoje aqui me tens. Até ao fim.

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