18.3.06

Lá vem ela

[Theodore Verschaeren - Boire Copains]

Lá vinha ela, Chiado acima. Cabelos ao vento, por entre os turistas e a gente glamorosa. Abanava as ancas, avançava sem pressa. Chiado acima, lá ia ela, sempre sorridente, fizesse chuva, fizesse sol. Batia as mesas da Bénard e da Brasileira, ganindo uma esmolinha por favor. Víamo-la ao fundo, e sorríamos. Lá vem ela. Abria a boca desdentada num riso de sincera alegria, assim que nos via ao longe. Acenava e gemia. Depois chegava-se a nós. Apoiava na mesa o braço carcomido pela idade. Ria, ria muito, e conversava. Não percebíamos metade do que dizia, mas conversávamos. Dizíamos que sim, mesmo sem saber a quê. Soltávamos "ah!" de espanto quando a víamos abrir os olhos, pontuando uma frase que queria categórica. Abanávamos a cabeça de sincera comiseração, quando nos mostrava as chagas nas pernas velhas. Dávamos-lhe a esmolinha, quando ela achava que a conversa ia longa, e nos estendia a mão suplicante, com a outra ajeitando os cabelos brancos, oleosos. Era a Ti Odete. Todos os dias, Chiado acima, Chiado abaixo.

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