21.3.06

Partida

[Henry Moore - Family group]

Há aqueles filmes americanos de quinta categoria em que uma ou mais criancinhas tentam voltar a juntar os pais que se separaram. Acaba tudo bem, com muitas lágrimas e música a puxar ao sentimento. A família reunida, feliz para sempre. Nunca entendi estes filmes. Desde sempre os meus pais se desentenderam. Desde sempre houve separações e reconciliações. Sempre desejei ardentemente que se separassem. De vez. Ele saía de casa, de mala às costas, batendo com a porta. Durante alguns segundos invadia-me o coração uma alegria indizível. Estava livre. Mas logo caía em mim, e passava a contar, angustiado, os dias que iam passando, até ao seu inevitável regresso. Temido regresso. Anos de partidas, regressos, agressões, gritos, partidas, regressos. E eu via aqueles filmes, de criancinhas chorosas tentando reunir os pais desavindos, e não os entendia. Eu queria os meus separados. De vez. A partir de uma certa altura deixei mesmo de conseguir gozar aqueles segundos de alegria, quando ele saía batendo com a porta. Porque sabia que ele voltaria, inevitavelmente. A cada partida, agora, era maior a angústia, o terror do regresso iminente. O desespero. O imaginar uma vida insuportável de regressos. Até que um dia percebi que ele não voltaria. Porque desta vez éramos nós que partíamos. O dia em que percebi que os meus pais nunca mais voltariam um para o outro. O dia em que ficou claro que a separação era irreversível. O dia em que soube que não haveria mais regressos. O dia mais feliz da minha vida.

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