9.3.06

Lamento della Ninfa (III)

[El Greco - A anunciação (pormenor)]

Ia lá todos os dias. Era irresistível. O espaço minúsculo. Impossível a permanência de mais de três ou quatro pessoas. Mas era a melhor loja de discos que tinha alguma vez visitado. Havia os CDs da moda, evidentemente, aos quais não dava qualquer atenção. Estavam numa pequena secção, pouco visível. E havia uma preciosa colecção de CDs de música boa. Clássica, Antiga. Jazz. Alternativa. Era um paraíso. E nesse sentido era melhor do que qualquer grande discoteca, onde predomina normalmente a música das rádios. Ali não. Ali respirava-se boa música. Levava um CD quase todos os dias - ali deixava grande parte do ordenado, dali vem a quase totalidade dos meus mais de 300 CDs de música Antiga e Clássica. Ou por cumplicidade ou por saber reconhecer um bom cliente, o dono tratava-me com a maior atenção. Rapidamente aprendeu os meus gostos. Mal entrava, fazia-me sinal, ia buscar uma caixa e, com ar cúmplice, abria-a. Lá de dentro saltavam CD's bons. Música barroca, medieval, polifonia renascentista. Havia novidades pelo menos uma vez por semana. Pedia para ouvir um pouco de cada. Ali me deixava ficar, longos minutos. Não trocávamos muitas palavras, apenas ouvíamos a música. Levava quase sempre um. Pelo menos. Por isso não resistia. Ia lá todos os dias. Um desses dias saltou da caixa uma gravação de "L'Ottavo Libro de Madrigali", pelo Jordi Savall com a Capella Reial de Catalunya. E lá estava, o Lamento della Ninfa. Não precisei de o ouvir. Sabia que era o que procurava desde aquela noite na Academia das Ciências. Porque aquele Lamento que eu tinha ouvido e visto naquela noite chuvosa não era já só de Claudio Monteverdi. Era também do Jordi. E da Montserrat. E dos restantes músicos daquela noite mágica.

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