26.6.05

Antiquus amor


[Caravaggio, 1608 - Cupido dormindo]

Não há amor como o primeiro, diz o povo. Não foste o meu primeiro amor, foste talvez o segundo. Mas foste o mais duradouro. Durante anos pensei em ti, sem esperança. Saíamos à noite. Íamos a sítios de que não eu gostava particularmente. Mas ansiava por que chegasse a noite para poder ir para esses sítios de que não gostava. Tu também ias: íamos os dois, e por isso eu queria ir a esses sítios de que não gostava, desejava-o até, ardentemente. Também tu o sentias, mas não o demonstravas, ou então eu não o percebi. Durante meses (anos?) a fio jogámos este jogo. Nenhum de nós tinha coragem de dar o primeiro passo. E assim nos torturámos durante tanto tempo. Foi preciso vir uma terceira pessoa dar o empurrão, fazer de moderna alcoviteira. Lembras-te? Depois aconteceu o que sempre acontece. O tempo passou, a paixão esmoreceu. Fartaste-te de mim. Eu era um miúdo. Tinha quê, 20 anos? Imaturo, inconstante. Tu tinhas só uns poucos anos a mais, mas era o suficiente. Quantos anos passaram? Nunca deixei de gostar de ti, dou-me conta disso enquanto escrevo. Hoje cruzámo-nos. Não te via há pelo menos dez anos. Não soube o que fazer. Não parei, estava com pressa. Que estupidez. Pressa? Pressa de quê? Ter-me-ás visto? Ter-me-ás reconhecido? Tenho saudades tuas.

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