15.6.05

O leite


[Vermeer, c. 1658]

Longtemps, j'ai bu du lait frais quand je me levais. Vivia então no Algarve, em Olhão, com a minha mãe e os meus irmãos. Foi há 23 anos, entre 1982 e 1983. Todas as manhãs, bem cedo, passava na nossa rua uma carroça puxada por um burro, cheia de bilhas de leite. Nós saíamos de casa a correr, entusiasmados pelo inédito da situação: provavelmente nunca tínhamos visto um burro a puxar uma carroça, na nossa ainda curta vida. E nem a rotina de um ano esgotou a excitação que sentíamos diariamente. A minha mãe vinha atrás, com uma grande cafeteira, onde o leiteiro vazava o líquido espumoso, acabado de sair das tetas das vacas da cooperativa. Voltávamos para casa atrás dela, esperávamos que fervesse o leite, e depois bebíamos com prazer. Nunca antes nos soube tão bem o leite. No Verão de 1983, acabadas as aulas, regressámos a Torres Vedras, onde a minha mãe ficou finalmente efectiva. O leite voltou a ser de pacote, comprado no supermercado. Não havia já, em Torres Vedras, carroças puxadas por burros, cheias de bilhas de leite vindo directamente da vaca.

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