12.6.05

Música Antiga


[Caravaggio,
c.1595 - Músicos]

Até ao início da década de 90 só ouvia coisas que é normal os adolescentes e jovens adultos ouvirem. Gostava de alguma música pop, e era louco pela emergente música techno, embora nunca tenha apreciado as coisas mais comerciais (não, não são sinónimos). Sempre tive, no entanto, curiosidade pela chamada música clássica, muito por influência da minha mãe, que em casa sempre a ouviu.

A viragem deu-se em 1991, com a comemoração dos 200 anos da morte de Mozart. Nessa ocasião houve uma série de eventos musicais, por todo o mundo. Portugal não foi exepção, nem Torres Vedras. Houve nesse ano uma apresentação do famoso Requiem, na igreja do Turcifal (arredores de Torres Vedras). Não sei já se a interpretação foi boa, na altura eu não entendia nada do assunto - mesmo hoje entendo pouco. Lembro-me apenas de que adorei, de que saí daquela igreja extasiado e definitivamente apaixonado pela música clássica, com quem já namoriscava inconsequentemente há anos.

Com o tempo, passei a sintonizar em exclusivo a Antena 2, e a ouvir os poucos CD's que havia em casa - eram invenção relativamente recente e cara. Mas não ouvia qualquer coisa. Desde sempre fui mais sensível a uns tipos de música, menos a outros. Autores como Verdi ou Puccini deixam-me bastante indiferente. Beethoven agrada-me, mas não excessivamente. De Mozart sim, posso dizer que gosto bastante. Mas quem me fazia (e faz) vibrar não era nem Mozart nem Beethoven. Quem me fazia arrepiar e sonhar eram J. S. Bach, Vivaldi, Händel... Descobri então que estava apaixonado pelos barrocos, que era o baixo contínuo que me eriçava os pêlos de todo o corpo. Nessa altura gastava o pouco dinheiro que tinha em cassetes, para gravar tudo o que cheirasse a barroco na Antena 2. Lembro-me de ficar em êxtase com uma missa de requiem que mais tarde descobri ser de Zelenka. Tinha definitivamente trocado o hip-hop (na altura chamava-se rap...) e o techno pela música barroca.

Mas estava mais uma pequena revolução para acontecer. Há muito que era fascinado pela Idade Média. Por isso, era sempre com expectativa que ouvia as raríssimas composições medievais que passavam na Antena 2. Comprei então o meu primeiro CD: "Cantigas de Santa Maria", pela Schola Cantorum Basiliensis. Isto deve ter sido em 1992, e ainda hoje, 13 anos depois, ouço esse CD. Na gravação participava a Montserrat Figueras.

Em 1993 fui à inspecção militar. Tinha pedido sucessivos adiamentos, para concluir o curso, e agora que estava no último ano, lá ia eu. Foi em Coimbra. Sempre fui um pacifista, nunca tive qualquer simpatia pela instituição militar. Lembro-me de que ia com algum receio. Tirei os brincos todos (na altura não era tão comum como hoje), e levei A República de Platão para ler durante a viagem. O que se passou nesses dois dias (sim, durava dois dias) ficará para outra ocasião. No final do segundo dia lá me fui embora. Tinha ainda algumas horas antes de apanhar o comboio de volta para casa, e fui dar uma volta pela baixa de Coimbra, com dois rapazes que tinha conhecido. Entrámos numa loja de discos, e fui à procura de música medieval. Mas enquanto fazia correr com os dedos as caixas de CD, dei com um que, não sei já porquê, me chamou a atenção. Era um CD de vilancetes e ensaladas, interpretado pelo Jordi Savall: Bartomeu Càrceres, Anonymes XVIe siècle: Villancicos & Ensaladas
(o nome na Amazon está errado, o correcto é este). Comprei-o, e nessa noite ouvi-o várias vezes. Tinha tomado contacto com a música profana renascentista, e estava como que bêbedo de música. À música barroca e medieval juntava agora a renascentista.

Descobri depois a música polifónica renascentista, sempre "pela mão" do grande Jordi Savall, embalado pela voz da Montserrat Figueras. Ao longo dos anos comprei mais de 300 CD's de Música Antiga, sobretudo de polifonia renascentista e barroco. A polifonia ainda é hoje a que mais me enche as medidas. Aquela orgia de vozes seguindo linhas melódicas diferentes... Se eu fosse crente diria que era divino, que era a expressão musical de deus. Como sou ateu, mais não posso dizer senão que é a sensualidade da carne transposta para a música. Tenho os meus preferidos: Tomás Luis de Victoria, Cristóbal de Morales, Francisco Guerrero.


Ainda haveria de descobrir mais coisas, mas isso ficará para outra ocasião.

1 comentário:

Anónimo disse...

Fico feliz por perceber que a música erudita e não apenas clássica é ainda, na ideia de raras pessoas, uma arte nova e infinita-