20.6.05

Quod uix contingit ueram uoluptatem parit


[Vermeer, 1657 - Rapariga lendo carta]

Quando ouvia os passos do carteiro a subir a escada precipitava-me para a porta. Em silêncio. Como se fosse fazer algo proibido, tinha medo de que ele me ouvisse. Aguardava que se abrisse a portinhola metálica por onde ele lançava as cartas. Era uma casa antiga, a nossa, não tinha caixa de correio - em vez disso, havia uma pequena abertura na porta da rua, pudicamente coberta por uma tampa metálica, que fazia um característico estalido quando, depois de por ela lançadas as cartas, se fechava. Lançava-me então, sempre no mais absoluto e inexplicável silêncio, para o molho de cartas e rebuscava freneticamente, à procura de alguma que me fosse destinada. Se havia alguma, recolhia-me no meu quarto, abria voluptuosamente o envelope, e saboreava durante o resto do dia o manuscrito que me tinha sido enviado. Há anos que não recebo cartas. Tenho saudades.

Quanto recebi o meu primeiro e-mail tive uma sensação parecida. Talvez mais voluptuosa ainda. Porque na altura usava um cliente de e-mail que não fazia previsão do texto: era obrigado a abrir de facto o ficheiro, para o poder ler. Assim foi enquanto tive poucos correspondentes. Hoje é com algum enfado que abro o Thunderbird, e selecciono os e-mails que realmente me apetece ler - e são cada vez menos.

Tenho saudades de receber e enviar correio manuscrito.

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