1.9.07

Kill the pain . II . Ventimiglia

[Pieter Bruegel o Velho - Sermão de São João Baptista (pormenor)]

my head's between my knees again
got needle set to zero
and you can shoot me hurricanes
don't spare me the details
(cantado por Massive Attack)

'Sim. Vim para aquilo. Embora não saiba se.'
'Já cá está. É tarde demasiado tarde para.'
'Era o que me dizia a mim mesmo.'
'Então afinal sabe que.'
'Sei.'

Olhos pequeninos de rato ou de galinha. E se eu lhe virasse as costas. A porta. Abri-la. Voltar. Da entrada vê-se o mar ao longe. Fita azul no horizonte. E se o vento estiver de feição sente-se-lhe o cheiro. E o calor da areia grossa. A fina mete-se-nos pela pele adentro. Como açúcar. E nos olhos. Por isso areia grossa. Branca. Ou negra. Tanto faz. Houve aquele fim de tarde em Ventimiglia. Os pés postos no mar morno sentado sobre duros seixos negros. E a água ia e vinha devagar sem ondas devagarinho. Mare nostrum. Como um rio ou um lago. O Sol rebolando lento no horizonte. Nem cá nem lá. As horas não passam o tempo morreu. E eu ficava o resto da vida os pés postos no mar morno. Sentado na pedra negra. Tão cansado. Há um comboio para apanhar. Depois durmo. Até Irún. Tantas horas. E a barba crescida e os olhos fundos pisados. E se me distraio e perco o comboio fico aqui. Preso. Há quantos dias não me. Ah sim. No dia em que cheguei. Cortei-me. E o sangue não parava. Porque eu estava tão tão cansado e era noite funda funda. Não gosto de fazer a barba. Chorei tanto. Porque eu queria ter sempre a cara nua. Não queria rapá-los. Queria que nunca nascessem. E recusava-me. E ia para a escola cheio de pêlos uns maiores do que os outros. Mal semeados. Tufo aqui tufo ali. Depois rendi-me. Peguei na lâmina e rapei a cara e fiquei cheio de sangue. Borbulhas cortadas. No balneário de Milão eu não tinha borbulhas. Vinte e. Já não me lembro. Estava frio e não se ouvia nada senão os pingos ping ping de água no chão. A angústia. E a lâmina a raspar a cara. Voltar para casa. Já. Que faço eu aqui. Golpe fundo. Achei que ia ficar com uma cicatriz. E agora passo a mão na cara e não há nada. De Milão só o medo. Sem cicatriz. E eu punha a cabeça de fora da janela e sentia o ar. Negro. Sufocando-me a alma. Como estes dias. Pastosos. Sem fim sem paz sem. E eu só queria.

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