25.6.06

Partida

[Murillo - São João Baptista]

a J.

O pior eram as partidas. Acompanhavas-me ao terminal de autocarros. Quase sempre em silêncio. Nunca fui homem de chorar. Talvez quando era criança. Mas nunca em adulto. Ou quase nunca. E agora era aquele aperto na garganta. Não conseguia falar. Balbuciava. Prendia o choro. Sentia-o pronto a rebentar. Tinha de me calar. Olhava-te e tu indiferente. Para que é isso, estás assim porquê? Eu virava a cara. Não compreendias. Não era culpa tua. Se calhar nunca te devia ter saído ao caminho. Devia ter-te deixado em paz. Na tua vidinha. Não sei. Não conseguia aproveitar aqueles raros momentos juntos. Estar contigo deveria ser um momento de felicidade. De plenitude. Mas não. Assim que te via assaltava-me a dúvida doentia. Será que nos veremos de novo. Fartar-se-á de mim. Vai chatear-se comigo. Arranjará outro. Deixar-me. Será que já arranjou outro e não me quer dizer. A dúvida devorava-me a felicidade de te ver. Estar contigo era um tormento quase tão grande como não estar. Porque te adorava desmesuradamente. Arrojava-me aos teus pés. Vivia no terror de que me deixasses. Media as palavras. Os gestos. Cada minuto contigo era um suplício. O terror de fazer ou dizer algo que me fizesse perder-te. Interpretava cada silêncio teu como sintoma de ruptura inevitável. Enlouquecia.

O pior eram as partidas. Perscrutava a tua face à procura de zanga. De enfado. E se te descobrisse enfado. A zanga ainda se podia resolver. O enfado não. Roía-me uma angústia indizível. Devorava-me lentamente. Aos bocados. E tu não compreendias. É tão duro separar-me de ti, só tenho vontade de chorar. És um exagerado. Não acreditavas na minha paixão. Achava-la excessiva. Achavas que não te amava. Por isso não compreendias a minha angústia. Nem os meus soluços contidos. Nem o nó na minha garganta. Olhavas repetidamente para o relógio, enquanto esperávamos o autocarro que me havia de levar para casa. Eram facas cravadas no meu peito. Em silêncio passava em revista todos os minutos que havíamos passado juntos. Procurava algo que tivesse dito ou feito. Ou que não tivesse dito nem feito. Algo que justificasse a tua indiferença. O teu enfado. Sentia-me morrer. Depois chegava o autocarro. Despedias-te rapidamente e voltavas para casa. Eu mordia os lábios para conter o choro. Via-te desaparecer ao longe, ainda antes de o autocarro partir. E depois era aquela hora de viagem. Revivendo cada momento. Cada palavra. Cada gesto. Enfiado num turbilhão de angústia e desespero. Não. Nunca te amei. Aquilo não era amar. Não, nunca te amei. Mas na altura não o sabia. E quase morria. Morria de amor.

1 comentário:

André . أندراوس البرجي disse...

Obrigado, Romã! Na altura isto custou-me muito. Agora já consigo olhar para o passado com tranquilidade.