11.6.06

Sikhr

[Bosch - Estudo de monstros]

Sikhr é um monstro formidável. É pequeno. O que não o impede de ser terrível. Esbranquiçado. O corpo coberto de finos sulcos vermelhos, veias que se dilatam e estremecem lentamente. Ao ritmo de um coração quase morto. Exala um cheiro suave. Gorduroso. Não tem membros. Portanto não tem garras. Não é isso que o torna terrível. Move-se vagarosamente, rebolando sobre a pele viscosa. Vagarosamente. Muito. Lesma rebolante. Deixa um rasto de gordura que não seca nunca. Tem uma boca pequena. Sem dentes. Mas não é isso que o torna terrível. Aliás, não sei se tem boca. Nunca lha vi. Apenas imagino que tenha uma. Porque o ouço gemer baixinho na escuridão, quando anda por perto. Nunca lhe ouvi um rugido que fosse. Não, também não é isso que o torna terrível. Uma besta esbranquiçada que não ruge com a boca não persegue com passo veloz não morde com dentes não rasga com garras. Formidável. Sinto a sua presença ainda antes de aparecer. O cheiro gorduroso. Os gemidos aflitivos. Um pânico indizível. Sei que está ali. Que me vai atacar. Só não sei quando. Nem onde. Depois sai-me ao caminho. Às vezes de surpresa. Rebolando sobre a pele viscosa. Pára a poucos metros de mim. Levanta-se não sei como. E crava-me os olhos pequenos azulados frios. Imóvel. Mudo. Gela-se-me o coração. Sinto um abraço sufocante. Imaterial. Não me toca sequer. Mas eu sinto-o. Sinto o seu olhar frio a penetrar-me as entranhas. A rasgar-me a alma. Terror absoluto. Saber que está ali. Está ali sempre. Mesmo quando não o vejo. Mesmo quando não o cheiro. É isso que o torna terrível. Muito.

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