19.4.06

Noctua

[Bestiário de Aberdeen, pormenor do fólio 50r]

Que bicho é aquele, que às vezes me acorda de noite aos guinchos? É uma coruja, ou um mocho. O que é uma coruja? É um pássaro. Só que em vez de voar de dia, voa de noite. E faz mal, a coruja? Não! Quer dizer, faz mal aos ratos e a outros bichos, porque os mata e come. Eu gosto de ouvir os guinchos da coruja. És um valente! Agora vá, vamos dormir.


Não devia. Mas agora já está. Não resisto. Que se lixe. Já que começámos, vamos até ao fim. Um lugar escondido. Vamos em silêncio, tremendo de excitação. Onde queres parar? Não sei, onde quiseres, tu é que conduzes. Estou nervoso. Nunca tinha feito uma coisa destas. Era quase um engate. Quase, porque éramos amigos. Entre amigos não há engates. E eu nunca faria um engate. Nunca me tinha passado pela cabeça chegarmos a isto. Bem, na verdade no ano anterior tínhamos trocado uns beijos. Inconsequentes, mais induzidos pelo álcool do que por qualquer tipo de atracção sensual. Mas isto? Já não eram só beijos. Parou o carro. Não vamos passar a noite toda nisto, diz-me, onde? Estávamos num caminho rural. Do lado direito, uma cerca. Reparo então nuns olhos enormes que me observam, insistentes. Pousada num poste da cerca, mais ou menos ao nível dos meus olhos, uma coruja. Olha-me fixamente. Parece uma estátua. Aqui. Pode ser aqui.

Sem comentários: