Milão. Não a vejo ainda, mas pressinto-a nos subúrbios industriais. Na mancha negra, lá ao fundo. Poluição. Céu cinzento. Chumbo. Deixei uma Lisboa solarenga, morna, dois dias antes. Milão surge-me agora monstruosamente cinzenta. Anoitece, quando chego à belíssima estação central. Tenho a morada da pousada de juventude onde me alojarei. Posso apanhar o metro, tenho todas as indicações necessárias para isso. Mas estou derreado, teria de andar a pé ainda algumas centenas de metros. Táxi. Consigo explicar em "italianês" para onde quero ir. Parece simpático. Olho pela janela, sorvendo esta paisagem nova e surpreendente. Milão é, com as ressalvas que mais adiante farei, uma cidade medonha, contrariando cruelmente todas as minhas expectativas. Ruas desertas. Cinzentas. Blocos de apartamentos uniformes, frios, feios. Sinto um vazio cada vez mais opressor. Não era para aqui que eu vinha. Aproximano-nos da pousada, diz o taxista. Vejo uma prostituta a entrar num carro. Tenho sono. Sinto-me pesado, vejo tudo turvo. Já nada me parece atingir. Nem quando o taxista me engana no troco. Protesto durante alguns segundos. Para quê. Encolho os ombros, faço um gesto de desprezo e sigo para a pousada. Finalmente poderei descansar. Tomar um banho. Dormir. Levam-me ao quarto. Não, não é um quarto. É uma camarata, com vários beliches. Sempre tive horror a partilhar a minha intimidade com outros homens. Seja num balneário, seja partilhando um quarto. Dormir é, para mim, um acto íntimo, que só consigo fazer sozinho. E agora tenho de dormir numa camarata, com vários desconhecidos. Sinto que vou vomitar. Apetece-me sentar em cima da cama e chorar convulsivamente. Gritar. Mas não tenho forças. Cansado de dois dias de viagem. Sujo. Mal cheiroso. Roubado. Humilhado. Desiludido. Submeto-me, conformo-me. Sou informado de que as luzes se apagam às 22 horas. Recolher obrigatório. Não quero saber. Estou demasiado cansado. Duche. Cama. Por fim paz. Quebrada às 7 da manhã com o atroar de sirenes, como as dos bombeiros, que bramem através da instalação sonora das camaratas. Às 8 é servido o pequeno-almoço, às 9 temos de estar todos na rua, pois a pousada encerra até às 17 horas. É Sábado. Só na Segunda poderei tentar encontrar a Soledad. Não sei para onde vou.
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