29.4.06

Peregrinatio mediolanensis III

[Turner - Auto-retrato]

Je lisais, peut-être. Ou dormia, não sei. Era noite. Não, é pouco provável que estivesse a ler. Gosto demasiado do ronronar do comboio nos carris, à noite. Quando não se vê nada pela janela senão negrume, quando não há habitações por perto e as nuvens cobrem a Lua. Abre-se a porta do compartimento. Tu parles français? Ouais, enfin, je me débrouille. Ah, c'est bien. C'est que mon copain il dort, et je m'embête, ça te gêne si je reste ici avec toi? Senta-se em frente. Simpatizamos imediatamente um com o outro. Na altura eu era bilingue quase perfeito. Conta-me a sua história, que vai para Burgos com um amigo. Entrou em Coimbra, várias horas antes. Até ali teria rezado, se acreditasse em deuses, para ficar sozinho o resto da viagem. Porém em poucas horas criáramos laços, que se viriam a tornar fortes e duradouros. Mas isso ficará para outra história. O que interessa agora é que naquele momento fiquei triste. Tinha vontade de continuar o resto da viagem a conversar com ele. E Burgos estava quase. Depois chegou o amigo, estremunhado. Trocamos moradas, prometemos correspondência. Saem ambos. Dizem-me adeus da plataforma. E eu sigo, sozinho. Vazio. Não sei para onde.

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