18.4.06

O tédio


[Steen - Lição de cravo]

Os dias arrastavam-se longos, demorados. Ambiente festivo à minha volta. Verão. Os sons são diferentes, abafados. Tal como eu me sentia. Ao longe o rugido do oceano, monótono. Chato. Passava estes dias inertes a ler. Não tinha escolha. De praia não gostava. Amigos, não os tinha ali. Restava-me a leitura, enquanto esperava mais ou menos pacientemente o fim do Verão. Levava alguns de casa, que em poucos dias consumia. Tinha então de arranjar mais. Em Santa Cruz o único sítio onde se podiam comprar livros era uma daquelas lojas que vendem de tudo, desde jornais a botões. Era uma loja mínima, onde caberiam no máximo cinco pessoas ao mesmo tempo. Do lado direito, duas estantes apertadas, com livros. Esgueirava-me para o pequeníssimo espaço entre elas, e percorria com dedos e olhos o seu conteúdo. Livros de aventuras, ficção científica, alguns clássicos portugueses. Tudo em quantidades reduzidas. Eram para mim tesouro sem igual. Impúbere, introvertido, nada me diziam então as longas noites balneares. Acordava cedo, ficava a ler na tenda, ou, em dias mais agitados, na praia. Agarrava-me aos Eças, aos Herculanos, aos Salgaris. Sem eles ter-se-iam tornado ainda mais arrastados, demorados, inertes, aqueles longos, insuportáveis dias de Verão.

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