25.4.07

Imago

[Bosch - Nauis stultifera]

Porque as noites não custam tanto. Porque há o escuro e com o escuro não se vê nada. E quando não se vê nada. Porque a memória é feita de imagens. E as imagens não se vêem no escuro. No escuro só há sono. Depressa vem. O sono. Quando não se vê nada. Porque estão à minha volta. As imagens. E não as vejo nas trevas. E os cheiros. Apagados. Agora já não me atormentam. Porque desapareceram. Mas as imagens. Ai as imagens. Pudesse eu apagá-las. Então escondo-as. Na escuridão. E enrolo-me no ninho. E não vejo nada. Porque as trevas.

As manhãs são o pior. Porque está liberta. A mente. Solta e selvagem. Sem freio. Tomar tomar. Já. Um copo de água. Mas demora a prendê-la domá-la. Cavalo negro indómito arrastando a alma. Platão. No Fedro. Cavalo branco cavalo negro. Alma com rédeas. Anacreonte. Mas sabe. Agora sabe. Mas não interessa. Agora não interessa. Lançar as mãos à alma. Domá-la. A indómita. Agora sossega. Sim. Até à noite.

Porque à noite regressam as trevas e escondem-se as imagens. E vem o sono. E com ele a paz. Não dói. O Rui dizia que não doía. Que dormia para não doer. Mas era uma dor diferente, a dele. Pior. E quando me dói lembro-me dele. E sei que esta dor. Não é uma dor. Não é. Porque não mata. Porque esta dor é uma cócega comparada com a dele. Mas. Pois. Pudesse dormir eu o resto da vida. É que. O pior são as manhãs.

1 comentário:

ritagrama disse...

THE SLEEPING PORTRAIT

Robert White





As with a dream interpreted by one
steel sleeping
The interpretation is only the next
room of The dream.


A não perder: Hamelin no Convento
das Mónicas, mesmo,mesmo,mesmo em frente da porta agora fechada.
De quem?
Dela. Da que com o lenço de seda das palavras cobriu a dor, forte e imprevista,num deslumbramento que
cegava a vista.A dor. Sim. ADOR.