El final de la historia sólo es referible en metáforas, ya que pasa en el reino de los cielos, donde no hay tiempo.
Jorge Luis Borges, Los teólogos
Os outros meninos diziam mãe mãe deixa a luz acesa. Eu dizia mãe mãe baixa os estores e fecha a porta. Não podia ficar sequer um buraquinho por onde pudesse entrar. Se eu visse um grão que fosse de luz. Eu nunca tive medo do escuro. Do que eu tinha medo era da luz. Do que ela me podia tirar. Porque eu achava que aqueles raios de luz cortando o ar poeirento eram línguas de espíritos malvados que me entravam pelos olhos adentro. E me roubavam sugavam a alma. Lentamente. Escorrendo devagar. Devagarinho. Eu via-a. Uma mancha leitosa flutuando dentro dos raios de luz. A minha alma. Deixando um vazio doloroso na minha cabeça pequenina. As dores de cabeça. Eu sei. Eram os espaços vazios deixados pela minha alma sugada. E se um dia me ficasse apenas espaço vazio. Então todo eu seria uma dor de cabeça. Por isso se eu visse um grão que fosse de luz gritava mãe mãe mãe. E ela já sabia. Abria a porta do quarto com um sorriso conformado e baixava completamente os estores. Depois corria os cortinados e dizia pronto já não há luz nenhuma dorme bem até amanhã se deus quiser. A minha mãe acredita em deuses.
Por isso não tive medo das trevas que enchiam o sótão. Nem do silêncio total. Porque não se ouvia nada. Como se me tivessem arrancado os ouvidos. Nem o zum zum do sangue a zumbir. Mergulhado num nada peganhento. Aquiles. Porque é que me lembraria de Aquiles. Porque a mãe me tinha contado a lenda. O menino mergulhado pela mãe no rio dos mortos. Invulnerável. Mas havia aquela parte por onde a mãe o tinha segurado. O calcanhar seco. E eu naquele negro de morte. Os meus pés deitados fora da moldura. Se eu os puxasse para dentro. Então todo eu seria invulnerável. Embora eu já o fosse. Porque eu estava morto. E não há coisa mais invulnerável do que um morto.
Então puxei os pés para dentro. E depois mudou tudo. As trevas não se foram. Pelo menos completamente. Mas no ar corria agora uma luz leve. E o zumbido rido. Lá estava ele outra vez. Embriagando-me os ouvidos. E eu conseguia agora perceber o que estava à minha volta. Assim como se abrisse os olhos debaixo de água. Tudo turvo. Mas via. E ouvia. E hoje eu sei. Nunca deveria ter puxado os pés para dentro.
Por isso não tive medo das trevas que enchiam o sótão. Nem do silêncio total. Porque não se ouvia nada. Como se me tivessem arrancado os ouvidos. Nem o zum zum do sangue a zumbir. Mergulhado num nada peganhento. Aquiles. Porque é que me lembraria de Aquiles. Porque a mãe me tinha contado a lenda. O menino mergulhado pela mãe no rio dos mortos. Invulnerável. Mas havia aquela parte por onde a mãe o tinha segurado. O calcanhar seco. E eu naquele negro de morte. Os meus pés deitados fora da moldura. Se eu os puxasse para dentro. Então todo eu seria invulnerável. Embora eu já o fosse. Porque eu estava morto. E não há coisa mais invulnerável do que um morto.
Então puxei os pés para dentro. E depois mudou tudo. As trevas não se foram. Pelo menos completamente. Mas no ar corria agora uma luz leve. E o zumbido rido. Lá estava ele outra vez. Embriagando-me os ouvidos. E eu conseguia agora perceber o que estava à minha volta. Assim como se abrisse os olhos debaixo de água. Tudo turvo. Mas via. E ouvia. E hoje eu sei. Nunca deveria ter puxado os pés para dentro.
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