[Bosch - Jardim das delícias terrenas (pormenor do painel central)]
νῦν ἀπολύεις τὸν δοῦλόν σου δέσποτα κατὰ τὸ ῥῆμά σου ἐν εἰρήνῃ
nunc dimittis seruum tuum domine secundum uerbum tuum in pace
الآنَ تُطْلِقُ عَبْدَكَ يَا سَيِّدُ حَسَبَ قَوْلِكَ بِسَلاَم
Lc 2:29
Eu morri ali. Enquanto a mão gelada me entrava na alma e me sugava o corpo. Porque até ali só o meu corpo estava morto. A alma vivia. Porque eu tinha medo e força e tristeza e dor e alegria e espanto e. E agora não tinha nada. Só medo. Tanto.
Toc toc toc. Dois olhos. Duas bolas grandes grandes como faróis saltando em cima do meu peito. E uma sombra espessa. E uns pontos brilhantes. Que a princípio pensei serem reflexos de luz no pó. Ainda antes de o ver. Mas não. O pó não brilha. Era aquilo. E eu não sei se. Porque nada me garante que. Aquela mão gelada. Que eu não via. Mas sentia. De quem era. Daquilo. Ou não. E se. Mas veio com ele. Com aquilo. E eu não sei se. Eu só queria que isto acabasse. De vez.
Depois os olhos afastaram-se devagarinho. E os pontos brilhantes apagaram-se. Enquanto o meu coração retomava o seu tum tum tum tum eu deixava de me ver de fora. Agora estava dentro de mim outra vez. Como agora. E o meu coração tum tum tum tum. E o meu peito subia e descia e os meus dedos ganharam cor. E olhei pela moldura e já não estava em cima da cama o meu corpo morto. E a mão gelada. Ficou cá dentro de mim.
Mas eu. Eu morri ali. E agora eu estou morto. Porque isto não é viver. Porque eu sei que. Porque aquilo me roubou tudo. E só deixou medo e terror e paranóia e loucura. E medo. E terror. E paranóia. E loucura. Mas isso não foi o pior. O pior foi que eu vi senti o que é estar morto. E eu queria que morrer fosse acabar tudo. Fechar os olhos e adeus. Mas não. Morrer é estar vivo. Com a certeza de não morrer mais. E a ver-me o corpo morto. Porque eu vi-me ali deitado na cama. A pele de cera e a boca torta e os olhos baços abertos. E se o meu coração não tivesse voltado tum tum tum tum e o meu peito a subir e a descer. O que teria eu visto. O horror e as lágrimas na cara da minha mãe. E o caixão e o funeral. E eu dentro do caixão a ver-me de cima. E depois as carnes desfeitas e os líquidos e os cheiros. E depois ficar assim parado a olhar até.
Até quando. Porque não é daquilo que eu tenho medo.
Toc toc toc. Dois olhos. Duas bolas grandes grandes como faróis saltando em cima do meu peito. E uma sombra espessa. E uns pontos brilhantes. Que a princípio pensei serem reflexos de luz no pó. Ainda antes de o ver. Mas não. O pó não brilha. Era aquilo. E eu não sei se. Porque nada me garante que. Aquela mão gelada. Que eu não via. Mas sentia. De quem era. Daquilo. Ou não. E se. Mas veio com ele. Com aquilo. E eu não sei se. Eu só queria que isto acabasse. De vez.
Depois os olhos afastaram-se devagarinho. E os pontos brilhantes apagaram-se. Enquanto o meu coração retomava o seu tum tum tum tum eu deixava de me ver de fora. Agora estava dentro de mim outra vez. Como agora. E o meu coração tum tum tum tum. E o meu peito subia e descia e os meus dedos ganharam cor. E olhei pela moldura e já não estava em cima da cama o meu corpo morto. E a mão gelada. Ficou cá dentro de mim.
Mas eu. Eu morri ali. E agora eu estou morto. Porque isto não é viver. Porque eu sei que. Porque aquilo me roubou tudo. E só deixou medo e terror e paranóia e loucura. E medo. E terror. E paranóia. E loucura. Mas isso não foi o pior. O pior foi que eu vi senti o que é estar morto. E eu queria que morrer fosse acabar tudo. Fechar os olhos e adeus. Mas não. Morrer é estar vivo. Com a certeza de não morrer mais. E a ver-me o corpo morto. Porque eu vi-me ali deitado na cama. A pele de cera e a boca torta e os olhos baços abertos. E se o meu coração não tivesse voltado tum tum tum tum e o meu peito a subir e a descer. O que teria eu visto. O horror e as lágrimas na cara da minha mãe. E o caixão e o funeral. E eu dentro do caixão a ver-me de cima. E depois as carnes desfeitas e os líquidos e os cheiros. E depois ficar assim parado a olhar até.
Até quando. Porque não é daquilo que eu tenho medo.
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