28.8.07

Purga

[Jan Davidsz de Heem - Natureza morta com livros]

Há quem tenha sabido desaparecer, entretanto.
Mário de Sá-Carneiro,
A grande sombra

E se eu ficasse em casa a ler. Tantos livros para quê. Nunca os lerei todos. Para quê. Um dia morro, e depois. Depois acabou-se. Habes somnum imaginem mortis. Deve ser como adormecer. Só que sem sonhos. Como quando não sabemos o que se passa ao nosso lado enquanto dormimos. Só que não acordamos para saber o que se passou à nossa volta. Apagou-se. Acho. Mas para quê tantos livros. Porque me dá gozo. Para quê. Se um dia morro. De que me serviu tanto gozo. Para acabar tudo numa pira. Sim. Numa pira. Não quero apodrecer num caixote. Que a terra te seja leve. Cadáver que muito gozou dos seus muitos livros. Bonito. Para quê. Para quê levantar-me. Um dia morro. Cala-te. De que me serve tanto esforço. Tento ser feliz porquê. Um dia acaba tudo. Não é que eu quisesse a eternidade. Passar por isto todos os dias num processo sem fim. Com este eu dentro de mim. Não. Não me revolto contra a morte. Só que. Para quê começar a viver, sequer. Se tudo acaba um dia. Mais valia não viver. Mais vale não viver.

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