[Goya - Prisão interior]
Alta, finalmente. Ainda me dói a cabeça. Doerá durante meses. Não há lesões graves, dizem-me. Tive sorte, um acidente daqueles e apenas um traumatismo craniano. Posso ir para casa. Quero ir para casa. A enfermaria é fria. Cheiro mal. Não tomo banho há 48 horas. Preciso de um duche. Mas já tenho alta, não vale a pena, tomo banho chegando a casa. Nunca mais chegam. Não devia ter deixado que me tivessem levado as roupas. Estou preso na enfermaria. Nu. Tenho alta mas estou preso. Não posso sair. Onde andam? Quero ir-me embora. Não posso sequer sair da cama, se não for enrolado no lençol. Afinal para que me deram alta? Podiam tê-la dado apenas quando chegassem para me vir buscar, com roupas. Assim não estava nesta angústia. Já não devia estar, mas ainda estou. Dói-me terrivelmente a cabeça. Estarei mesmo bem? Quero ir embora. E se chego a casa e pioro? Mas deram-me alta. E não posso sair daqui porque estou nu. Não tenho roupa. Quantas horas já se passaram? O que terá acontecido. Não chegam porquê. Tenho alta, mas estou preso. Não conseguirei aguentar mais. Quero ir para casa. Quero a minha cama. Onde não sei se vou ficar em segurança. Mas neste momento tudo se me afigura melhor do que esta enfermaria fria cheia de desconhecidos que me olham de lado, estranhando o meu penteado e os inúmeros brincos. Aperta-se-me o estômago. Saltam-me lágrimas dos olhos. Quero ir-me embora. Mas estou aqui preso. Interrogo os enfermeiros com o olhar desesperado. Respondem-me com um encolher de ombros. Chega então a minha mãe, ofegante. Traz-me roupas. Visto-me. Alívio. Vamos os dois no comboio. Ela vai feliz, aliviada por tudo ter acabado. Eu olho melancólico pela janela. Sei que não acabou tudo. O meu espírito não mo permitirá. Esperam-me semanas de repouso absoluto e dores de cabeça permanentes. Libertei-me da prisão da enfermaria. Falta-me libertar da prisão do espírito.
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