1.2.06

O mel

[Leonardo da Vinci - Dama do arminho]

Eu ardia de desejo por ti. Andávamos lado a lado, sem dizer palavra. Não sei para onde íamos nem porquê. Mas eu ardia de desejo por ti. Não eras bonita. A tua androginia afastava-te dos padrões de beleza. Mas eu ardia de desejo por ti. O resto do grupo seguia à nossa frente. Tínhamo-nos deixado ficar para trás. De vez em quando entreabria a boca para dizer algo, mas logo emudecia, quando te olhava. Tu parecias ignorar-me, como sempre, entregue ao teus pensamentos. Já não sei para onde íamos. Era o dia dos meus anos. Talvez fôssemos lanchar. Tinha 16 anos, e ardia de desejo por ti. Praguejaste por algum motivo, se calhar tinhas ficado sem tabaco. Paraste e eu parei, a olhar para ti, como fazem os cachorrinhos quando os donos param no meio da rua, a ver uma montra. Olhavas através de mim, como se eu não estivesse ali. De repente pareceste descer à terra, e reparar que eu estava ali, a olhar embasbacado para ti. Dá-me um mel, disseste. Dou-te o quê? Um mel, estúpido. Abraçaste-me e deste-me um longo beijo. Era um sonho. Um sonho de que depressa fui acordado. Anda que já lá vão à frente, ainda nos perdemos deles, dizias. Eu ardia de desejo por ti, cada vez mais, até à loucura.

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