16.2.06

O cavalinho de madeira

[Drölling - Esmola para os pobres]

Como podia deixá-las partir sem nada? A mãe estendia a mão, balbuciando uma lenga-lenga incompreensível. A filha, da minha idade, deitava-me olhares aflitivos. Havia um cavalinho de madeira com que eu gostava de brincar. Montava-o, e balançava durante horas. Era-me evidente que a menina queria brinquedos. Não me passava pela cabeça que tivesse fome, que passasse necessidades. Isso não passa pela cabeça de um miúdo de 4 ou 5 anos. Era óbvio que ela precisava de brinquedos, que era isso que a sua mãe estava a pedir, por meio daquela lenga-lenga. É nisso que pensa um miúdo de 4 ou 5 anos. Em brinquedos, em brincadeiras. Portanto fui buscar o cavalinho de madeira e dei-lho. Se era o meu brinquedo preferido, então haveria de ser também o brinquedo preferido daquela menina. Não creio que o tenha feito por altruísmo. Não tinha, com aquela idade, a noção de que estava a abdicar definitivamente do meu brinquedo preferido. Terei pensado que o estava a emprestar. Não sei. Mas tenho a certeza de que não entendi completamente o que estava a fazer. Depois chegou a minha mãe, vinda de dentro, querendo saber quem tinha tocado à campainha. Contei-lhe o que tinha acontecido, e ela saiu a correr, escadas abaixo, na esperança de ainda apanhar as pedintes. Recuperou o cavalinho e deu-lhes uma esmola. Eu continuei durante alguns anos mais a brincar com o meu cavalinho de madeira.

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