1.2.06

Golias



[Beckmann - Jogadores de rugby]


Mais tarde ela disse que tinha aceitado o meu pedido de namoro por piedade. Talvez tenha sido realmente por isso que namorámos durante aquela meia dúzia de semanas. Embora na verdade tenha sido ela que me pediu em namoro. Ou melhor, foi ela quem me atacou, num momento de distracção, beijando-me furiosamente. Eu cedi. Tinha 16 anos, muitas borbulhas e um ego ferido por anos de rejeição feminina. Gostava dela, mas sem paixão. Não pude, porém, resistir ao seu assalto. Nem podia recusar o seu pedido de namoro. A perspectiva não me desagradava. Podia, finalmente, exibir uma namorada. Até aí, eu era sempre o único do grupo sem histórias de raparigas para contar. Todos tinham namoradas, mais ou menos regulares. Menos eu. O meu papel era sobretudo o de conselheiro amoroso das suas namoradas. Achavam-me inofensivo, debaixo daquela grossa camada de acne e gordura. Naquele dia tudo mudou. Não era a primeira vez que beijava uma rapariga. Não tinha uma vida sentimental assim tão pobre. Era já a terceira vez. Mas as anteriores experiências tinham sido esporádicas. Esta era a primeira relação a sério. Inundava-me uma felicidade sem descrição possível. Não por ela, mas pela situação em si. Eu tinha uma namorada. Podia passeá-la, mostrá-la aos amigos, exibi-la na escola. Mas foi alegria que durou pouco. Logo no dia seguinte soube que a minha felicidade era motivo de infelicidade furiosa de outra pessoa. Um pretendente, um rapaz de outra escola que cortejava a minha namorada há algum tempo. Não fiquei demasiado preocupado, de início. Eu era grande. Aos 16 anos teria já perto de 1,80 de altura e uns quilos a mais. Desde miúdo sempre fora o mais alto da turma. Ao contrário do que seria normal num rapaz com quilos a mais, nunca fui abertamente gozado. Nunca me chamaram nomes. Não. Houve um que uma vez me chamou "gordo". Não precisei de lhe bater. Um empurrão, e foi projectado a vários metros de distância. A minha presença impunha respeito. Portanto não fiquei demasiado preocupado. Tive algum receio apenas quando me vieram dizer que o pretendente pretendia espancar-me assim que me apanhasse a jeito. Ainda assim, continuei mais ou menos tranquilo. Sabia que o meu porte físico me defenderia com maior ou menor deificuldade. Apenas receava a violência em si. Sempre evitei e abominei a violência. Por isso o idílio que prometia ser este meu primeiro namoro depressa se transformou em felicidade moderada. Cada vez mais moderada, à medida que me iam chegando os recados do pretendente, que ameaçava não me deixar osso nenhum intacto. Um dia fartei-me. Quis saber quem era esse que me ameaçava, que me impedia de gozar convenientemente esta minha nova condição de namorado. Levaram-me a vê-lo, ao café que frequentava. Fiquei estarrecido. Era um ciclope. Gigantesco, a ponto de, se me aproximasse, ter de inclinar a cabeça para trás para poder encará-lo. Era enorme. Esmagar-me-ia, se me apanhasse a jeito. Felizmente não me viu. Voltei aterrorizado para casa. De repente este namoro deixara de ter graça.

Sem comentários: