17.2.06

Os silêncios

Rui Oliveira (1976.01.11 - 2003.02.08)

À memória do Rui

Fazes-me tanta falta. Não nos víamos tanto como dantes. Na verdade quase deixáramos de nos ver. Não nos tínhamos zangado, longe disso. Mas havia razões para este afastamento que nos eram em parte alheias. Uma tolice, sobretudo da minha parte. Depois adoeceste. Retomámos então a amizade que estupidamente tínhamos deixado enfraquecer. Era diferente agora, como eram diferentes, infelizmente, as circunstâncias. Mas era mais intensa, da minha parte. Talvez não o tenha demonstrado como devia. Mas sabes que sempre fui incapaz de exprimir os meus mais íntimos sentimentos. Sinto remorsos por isso, mesmo sabendo que me conhecias como ninguém, que sabias o quanto te adorava. Se calhar pareci-te frio, em ocasiões em que, antes de adoeceres, me abriste o teu coração. Uma vez, muito antes de adoeceres, disseste-me coisas muito bonitas, num sítio e numa situação completamente inesperados, e eu só te consegui responder com um sorriso de felicidade incontida, e algumas palavras gaguejadas. Depois de adoeceres, veio o nosso reencontro, e o meu natural bloqueio emocional acentuou-se. Olhava-te, e não sabia o que te dizer. Nessa altura, mais do que nunca, vivemos de silêncios. Não de silêncios embaraçados, mas de silêncios cheios, como só contigo conseguia ter. Silêncios de olhares cúmplices e brincadeiras de miúdos. Batia-te ao de leve na cabeça e chamava-te careca. Tu rias-te e chamavas-me gordo. Nessas ocasiões voltava o teu sorriso trocista. Um dia, já perto do fim, ias ver o Sporting com o teu pai, e convidaste-me. Era um Sporting-Moreirense. Estava frio. Era Novembro, creio. Ou mesmo Dezembro. Tivemos de ficar em zonas separadas, pois não arranjámos bilhetes juntos. Enquanto o teu pai procurava lugar para estacionar, nós fomos andando para uma das portas do Estádio. Estavas muito fraco, já, embora mantivesses a esperança na recuperação total. Apoiaste-te em mim, e fomos abraçados até à porta. Brincámos, imaginando o que não estaria aquela gente toda a pensar de nós. Tanto nos fazia. Nunca nos preocupámos com o que os outros pensavam de nós. Ganhámos 3-0 e o Cristiano Ronaldo marcou um golo fabuloso. Pouco tempo depois pioraste de repente, numa altura em que todos os dias me davas conta de novas esperanças. O desenlace tornou-se evidente. Disseram-me que não querias ver ninguém. Quis respeitar esta tua vontade. Mas encontrei a tua mãe, à porta da tua casa, que me disse que não era bem assim, que apenas não conseguias suportar visitas prolongadas. Subi imediatamente para te ver, maldizendo os dias em que tanto te queria ver, mas aguentava em casa, respeitando uma tua vontade que afinal nunca tinha existido. Entrei no teu quarto. Não eras já tu que estavas naquela cama. Era uma sombra. Não é assim que te quero recordar. Depois, um dia tocou o telefone, com a notícia que não queria ouvir. Pensei que com o tempo passasse este sofrimento. Que com o volver dos anos ficasse apenas a doce memória do amigo, uma nostalgia. Mas a cada ano que passa a saudade é maior. Três anos se passaram, já. Fazes-me tanta falta.

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