[Agnolo Bronzino - Ugolino Martelli] a P.
Não queria acreditar no que via, quando naquela noite abri a porta e me apareceste tu, enorme, com um sorriso largo e os braços abertos, pronto para te lançares sobre mim, para me envolveres num longo e emocionado abraço. Como de costume não consegui exprimir as emoções que me iam no coração. Era como um sonho. Eras uma pessoa muito especial para mim, e a distância não o tinha alterado, longe disso. Consegui abraçar-te, contrariando o meu carácter reservado. Eram muitas as saudades, de parte a parte. Tirando o extraordinário desenvolvimento físico, estavas na mesma. Expansivo, incapaz de te manteres calado por mais do que uns segundos. Continuavas a chamar a atenção pelo teu físico nórdico, pelo indisfarçável sotaque holandês, pela exuberância. Eu continuava na mesma, também. Não mudara muito. Apesar dos meus 24 anos mantinha a aparência de um adolescente. E continuava contido, silencioso, reservado. Em casa não se podiam matar saudades como deve ser. Fomos para um café calmo, para podermos conversar à vontade. Não nos víamos há anos. Desde aquela tua partida imprevista. Lembras-te? Tínhamos combinado que quando eu chegasse da faculdade ia ter a tua casa. Mas quando cheguei tinha um recado inesperado: tinhas sido forçado a regressar à Holanda. Num tempo sem telemóveis nem e-mails perdemos completamente o contacto. Partiras no início da adolescência. Voltavas agora um homem. Tinhas apenas 2 ou 3 anos a menos do que eu, e isso fazia toda a diferença, quando nos separámos. Agora não. Agora éramos da mesma idade. Falaste horas seguidas. Eu olhava-te, e sorria, feliz por reencontrar o amigo, ainda por cima em circunstâncias tão inesperadas. Depois a conversa foi esmorecendo. Percebia-se que querias dizer-me algo, mas não sabias como. Fazias cada vez mais pausas, e sorrias embaraçado. Os teus olhos verdes de que me lembrava sempre flamejantes agora pareciam mortiços. Naqueles momentos não te reconheci. De repente disseste-mo, em tom levemente desafiador, na defensiva. Receavas que eu reagisse mal, era evidente. Eu fiz uma pausa propositadamente dramática. E declarei solenemente "eu também". Depois lancei uma gargalhada. Tu hesitaste uns segundos e desataste a rir, aquele riso de tinha já tantas saudades. Era tarde, abandonámos e café. Decidi acompanhar-te a casa, para matar mais um pouco as saudades. Batias-me nas costas, dizendo, entre risos, "e eu com medo de te dizer... e afinal tu também!". Ríamos muito. Parecíamos os adolescentes de havia poucos anos atrás. Depois a conversa esmoreceu de novo. Fomos em silêncio mais alguns minutos. Tinhas mais alguma coisa para me dizer. E desta vez não houve risos.