[Gerrit Dou - Escola nocturna]
Havia uma arrecadação no quintal da nossa casa. Estava cheia de tralha, que eu achava fascinante e que adorava revolver, até ao dia em que lá descobri um pombo morto. Repugnado, não voltei lá durante muitos anos. Até que, no início da adolescência, achei que aquele espaço era óptimo para reunir amigos, para ouvir música e fumar cigarros. Deitámos mãos à obra, o Carlos e eu, e em pouco tempo limpámos a tralha que ali se acumulara durante anos. Pintámos as paredes de vermelho escuro, o Carlos trepou ao telhado e consertou as telhas partidas. Depois fizemos a instalação eléctrica, puxada de minha casa através de uma longa extensão. Estávamos nos anos 80, não podiam faltar as lâmpadas coloridas e as bolas de espelhos. Um pequeno telheiro e um balcão, feitos por nós, davam-lhe um aspecto de discoteca. Por fim, o gira-discos, peça essencial para a construção deste nosso espaço mágico. Durante largos meses (anos?) foi o nosso refúgio. Aos poucos fomos decorando as paredes, ora com pinturas decorativas, ora com colagens imaginativas: maços de tabaco, cinzeiros, tudo aquilo de que nos lembrávamos. Ali passávamos grande parte do dia e da noite, ouvindo música, num ambiente acolhedor, cheio de suaves luzes coloridas e reflexos de bolas de espelhos. Depois deixámos de lá ir, quase de repente. O Carlos foi viver para outra cidade, eu e os restantes amigos do grupo fomos estudar para Lisboa. O quintal ficava nas traseiras, longe da vista. Além disso, eu tinha crescido. Luzes vermelhas e azuis reflectidas em bolas de espelhos, acompanhando música pop, já não tinham para mim qualquer importância. Há meses atrás voltei à arrecadação. Já não entrava lá há uns 15 anos. A humidade destruiu as pinturas e as colagens. Do pequeno telheiro e do balcão, apenas alguns fragmentos espalhados pelo chão. Tralha, tralha por todo o lado.
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