[Klee - Lembrança de um jardim]
a E.
Era tudo aquilo com que tinha sonhado. Estava perdidamente apaixonado. Pela primeira vez. Tomado por um súbito pudor, misturado com alguma saciedade, parei de te beijar. Sem te largar a mão, recostei-me no meu lugar, inundado de felicidade. Acabávamos de chegar ao castelo, como rudemente nos recordava o taxista. Entrámos no meio daquela imensa confusão, mas eu já não via ninguém, só te via a ti, só nos via a nós. Apesar de as probabilidades serem poucas, fomos rapidamente achados pelos nossos amigos. Aos poucos, a minha felicidade foi esmorecendo. Parecia voltar tudo ao início. A tua indiferença regressava, e feria-me. Pior, os efeitos do álcool iam desaparecendo. Agora eras mesmo tu, não alguém com comportamentos alterados pelo álcool. Eras quem eu tão bem conhecia e achava que começava a amar. A esfinge. De novo parecias não dar sequer pela minha presença. Era como um murro no estômago. Eu achava que a viagem de táxi tinha sido um ponto de viragem. Mas não. Nada tinha mudado. Olhava para todos os lados, de súbito perdido e sozinho no meio daquela gente toda. Afinal tudo tinha acontecido porque estavas sob o efeito do álcool. Não tinhas qualquer interesse em mim. Tinhas-me beijado porque por acaso era eu quem estava ao teu lado no táxi. Mas então recebi um forte safanão, alguém me puxava pelo braço. Eras tu. Não sabia para onde querias ir, mas segui-te. Connosco ia uma amiga, que não percebi se nos seguia sem convite, ou se também a tinhas puxado. Descobrimos um recanto ajardinado e quase sem luz, junto a uma muralha. Ali nos sentámos os três, a conversar. Bom, conversavam vocês. Eu permanecia à parte, numa segregação auto-imposta feita de desilusão e desespero. Finalmente ela foi-se embora, talvez tenha ido buscar uma cerveja. Imediatamente se desfez a tua impassibilidade. Lançaste-te sobre mim, deste-me um longo beijo. Ali ficámos até ser dia. Os dois num só. Não tínhamos frio. Tínhamo-nos um ao outro. Era tudo aquilo com que tinha sonhado. Não. Era melhor ainda.
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