3.1.06

O sonho

[Turner - A manhã depois do Dilúvio]

a C.

Tinha medo. Agora que tinha aquilo que tanto havia desejado, tinha medo. Era noite. Dentro de poucas horas tinha de estar à porta da faculdade. Ia a uma visita de estudo, tinha gente à minha espera. Passámos aquela noite a passear por Lisboa, já não falando de coisas vãs, mas de nós. Querias retomar a nossa antiga convivência, agora assumindo e concretizando os nossos sentimentos recíprocos. Eu gostava de ti. Mas tinha medo. Pediste-me que não fosse à viagem, que ficasse contigo. Disse-te que não podia, que me tinha comprometido com um amigo que só ia por minha causa, pois não conhecia mais ninguém no grupo. Imploraste que, ainda assim, ficasse contigo, que não fosse. Em vez de passar aqueles dois dias em Mérida, que os passasse contigo. Disse-te que se tínhamos esperado mais de dois anos para confessarmos um ao outro os nossos sentimentos podíamos esperar mais dois dias. Na verdade tinha medo de que tudo não passasse de um capricho teu. Não estava certo dos teus sentimentos, apesar de tão evidentes. Acabaste por te conformar, e prometeste que me telefonavas dentro de dois dias. Poucas horas depois estava no autocarro a caminho de Mérida. O meu amigo perguntou-me que tinha eu, que ia tão ausente, quis saber onde tinha passado a noite. Respondi-lhe que estava a viver um sonho.

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